TGroup, holding de startups, demite cerca de 40% dos funcionários

O grupo, focado em soluções para e-commerce, é o sexto a promover demissões em massa no setor; empresa alega passar por reestruturação

Mais um “banho de sangue” inundou o mercado de tecnologia no início deste mês. Na segunda-feira 9 de maio, o TGroup, holding de startups de soluções para e-commerce, desligou 80 pessoas, cerca de 40% do seu quadro de funcionários. A empresa seguiu a onda de demissões em massa que avança sobre o setor nas últimas semanas. Mas o movimento, que chegou recentemente ao TGroup, começou em abril, com cortes nas equipes dos unicórnios QuintoAndar, Loft, Creditas e Facily, nesta ordem. A startup Zak, de gestão de restaurantes, foi a última – pelo menos até agora – a se juntar à lista, também dispensando 40% do seu time na última sexta-feira (13).  
 
Ao BP Money, o TGroup afirmou, por meio de posicionamento, que a companhia “passa por reestruturação, motivado pelo entendimento de que sua projeção de crescimento/expansão não estava alinhada ao momento macroeconômico global”. A empresa não endereçou o questionamento sobre o número de desligamentos, informação que teria sido repassada internamente por algumas lideranças. A nota na íntegra pode ser lida ao fim desta reportagem. 

Nos bastidores, multiplicam-se relatos sobre a crescente pressão de investidores para entregas mais condizentes com o cenário de crise e, principalmente, em consonância com as regras de mercado para investimentos. O momento coincide com o período de apresentação do balanço e avaliação dos resultados do primeiro trimestre. Ao que tudo indica, é hora de corrigir projeções e traçar planos mais realistas no mundo das startups. 

Além do dinheiro fácil, a paciência para esperar pelo breakeven (quando os custos e despesas operacionais da empresa se igualam ao faturamento) também está curta. Foi este o motivo que as lideranças do TGroup apresentaram aos seus funcionários quando os dispensaram naquela manhã. 

Mas a escalada do cenário dentro do TGroup no último mês sugere que nem mesmo a gestão da empresa estava preparada para a guinada. E talvez nenhuma das startups estivesse. Relatos de demissões de pessoas em período de experiência ou com poucos meses de casa se multiplicam nas redes sociais. 

“Nós acreditamos no discurso sobre o crescimento vertical da companhia”, disse um dos ex-funcionários ao BP Money. A fonte, assim como todos ouvidos para esta reportagem, topou conversar na condição de anonimato. O TGroup vinha fazendo uma série de contratações nos últimos meses. 

A ponto de, em um passado não muito distante, ter se vangloriado de contratar 40 profissionais de tecnologia em 60 dias. Um artigo publicado em março deste ano no LinkedIn por uma funcionária da área de RH do TGroup relata como a equipe atraiu talentos em tão pouco tempo e “em um cenário adverso em mão de obra tech”, apontou o texto. Para chegar nesse número, o time teria abordado cerca de mil pessoas.

De acordo com uma das pessoas ouvidas pelo BP Money, menos de dois meses atrás, o discurso na fase de recrutamento era que as startups da holding tinham recebido investimento e passariam por uma reorganização para crescer. “Disseram que era um momento seguro e precisavam de gente do mercado para ajudar a estruturar os processos do grupo”, afirmou um profissional da área de produtos. 

Entre os desligados, a maioria abriu mão de empregos em outras empresas atraída pelas propostas salariais e por promessas de crescimento, o que seria possibilitado pelo processo de estruturação da companhia. O mesmo aconteceu na Loft, na Facily e na Zak.

Sinais de problemas no TGroup começaram a aparecer duas semanas antes da demissão em massa

Duas semanas antes daquela fatídica segunda-feira, todos os funcionários do TGroup foram convocados para uma reunião de emergência. Por videoconferência, a equipe foi informada sobre a saída da CEO, Andrea Fernandes, conhecida internamente como Dea. O anúncio foi repentino e desacompanhado de explicações. Ao BP Money, a empresa informou por meio de posicionamento que a saída está ligada a uma decisão pessoal da executiva, “que não tem relação com a reestruturação da companhia”, alegou o grupo.

Naquele mesmo dia, Dea se afastou da operação sem nenhuma despedida, o que, para alguns, era um indício de que algo não estava bem. A última “pegada” da líder no TGroup é um artigo assinado para a “Exame”, publicado em 21 de abril, em que reflete sobre como as pessoas são os maiores ativos das marcas. Até o fechamento desta matéria, seu perfil profissional no LinkedIn continuava desatualizado, como se a executiva seguisse no cargo de CEO da companhia. 

“Todas as reuniões estratégicas foram canceladas desde então, e o ritmo de trabalho na primeira semana de maio foi atipicamente tranquilo, com pouca demanda”, disse uma das pessoas ouvidas pela reportagem. 

Na manhã dos desligamentos, os funcionários foram chamados, um a um, para serem comunicados sobre sua demissão – por videoconferência, como é de praxe na realidade do home office. “Minha reunião durou dois minutos. Disseram que o mercado de tecnologia estava aquecido e que eu conseguiria uma recolocação rapidamente”, disse um dos ex-funcionários, que estava há menos de seis meses na empresa. 

A principal razão apresentada para os cortes era a “necessária reestruturação para que o grupo pudesse enfim chegar ao breakeven”. Entre os dispensados, lideranças da área de tecnologia e idealizadores de projetos que sequer haviam chegado ao mercado, como o Greg e o Volt, mas principalmente analistas e gente do dia a dia da operação. 

Os remanescentes foram chamados a uma reunião “de acolhimento”, cuja intenção era justificar o movimento e explicar o que aconteceria dali para frente. Foram frustrados, no entanto, ao se depararem com respostas vagas sobre o processo de demissão no TGroup, emendado com um discurso sobre foco em produtividade. 

Como os cortes geraram o desmonte de toda a área de vendas, as lideranças explicaram que “de agora em diante, todos serão representantes da empresa, no sentido que precisarão ajudar a vender o TGroup”, relatou uma fonte ligada à empresa. “Por isso, uma parte das pessoas que seguiam lá já saiu e, dos que continuam no grupo, a maioria está desmotivada.”

Entre os ouvidos pela reportagem, poucos acreditam na possibilidade de a companhia se recuperar. Todos apontaram a falta de experiência da equipe, inconsistências na fonte de receita e a desorganização da estrutura como falhas severas das empresas no TGroup. 

“Fomos contratados para ajudar nisso, mas havia pouco espaço para avanço, por questões da própria estrutura do negócio”, disse um ex-funcionário. “Tínhamos muitas reuniões gerais desnecessárias, como os bate-papos semanais, mas nunca apresentaram resultados operacionais, perspectivas ou um plano sólido para o grupo. Faltava muita transparência no dia a dia”, disse outro entrevistado pelo BP Money.

O TGroup se apresenta como uma empresa transparente e alega ter a sinceridade como um pilar da sua operação. Mas o mote, na prática, “também tem seus limites”, como alegou um dos líderes da empresa na “reunião de acolhimento” após ser questionado sobre a forma que a diretoria conduziu o processo. No site, o grupo se diz unido por um propósito, “e ao fazer isso, nos conectamos e criamos relações de confiança de dentro pra fora”, afirma no texto.

Há dois anos no mercado, ecossistema nasceu como holding da ClearSale

O TGroup nasceu como uma holding que centralizaria a estratégia de negócios da ClearSale (CLSA3), empresa especializada em soluções antifraude fundada pelo empresário Pedro Chiamulera. Após a abertura de capital da companhia de segurança, em julho de 2021, o grupo se tornou uma operação independente e passou a englobar as demais unidades de negócios não relacionados ao foco da ClearSale.

Quando surgiu, em 2020, os planos de Chiamulera para o TGroup era de contratar mais 700 funcionários e alcançar um faturamento de R$ 400 milhões ainda naquele ano. A plataforma é composta hoje por quatro empresas: SocialSoul, plataforma de promoção de marcas por meio de consultores; Confi, app de compras online; Aftersale, plataforma de automação de operações para a jornada pós-compra; Neotrust, divisão de de dados e inteligência sobre o e-commerce brasileiro.

Chiamulera é membro do conselho na ClearSale e segue como um dos investidores do TGroup. É uma figura frequente nas reuniões gerais de bate-papo na holding de startups. “Disseram que ele [Pedro Chiamulera] se aproximaria da gestão dali para frente, mas a companhia seguirá sob a gestão da diretoria, as mesmas pessoas que orquestraram os cortes dessa forma”, disse uma das fontes ouvidas pela reportagem. 

Todos os ex-funcionários ouvidos pelo BP Money se dizem desapontados com a empresa e também não pretendem mais trabalhar em startups. “Eu me desiludi muito com esse setor”, disse um dos entrevistados. Outro, que acumula passagens por empresas de tecnologia, acredita que os maiores problemas deste episódio estão ligados à gestão do TGroup, embora admita que também tentará fugir desse mercado: “o cenário está muito instável agora, deve haver mais demissões. Não vale a pena correr o risco”.

Confira na íntegra a nota com o posicionamento do TGroup sobre as demissões de 9 de maio de 2022:

O TGroup, ecossistema de soluções de tecnologia em toda a jornada de consumo no e-commerce criado em 2020, passa por restruturação, motivado pelo entendimento de que sua projeção de crescimento/expansão não estava alinhada ao momento macroeconômico global. 
 
Em novo ritmo de projeção de crescimento, agora menos acelerado e mais sustentável, o ecossistema preserva a qualidade de suas entregas e os compromissos firmados com seus mais de 700 clientes. 
 
Todas as suas unidades de negócio seguem operando de ponta a ponta no e-commerce de forma integrada, conectando dados, inteligência e tecnologia para garantir experiências confiáveis e duradouras em escala.