Financiamento Imobiliário atrai novos negócios

Em nove meses, o valor de financiado pelo SPBE saltou mais de 96% em comparação com o mesmo período de 2020

O ano de 2021 tem registrado recordes na concessão de crédito imobiliário. Segundo dados da Abecip (Associação das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), de janeiro a setembro, o montante financiado pelo SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), que usa recursos da caderneta de poupança, foi de R$ 154,69 bilhões. O valor é 96,3% maior do que no mesmo período de 2020, e representa empréstimos para 663,25 mil imóveis.

O aumento do interesse pela tomada de crédito vem do aquecimento registrado nas vendas de imóveis e no valor historicamente mais baixo das taxas de juros de financiamento, em comparação com anos anteriores.

O financiamento imobiliário não está atraindo apenas o consumidor, mas também as empresas que trabalham com compra e venda de imóveis.

Em agosto a plataforma Loft adquiriu a intermediadora de crédito imobiliário CrediHome e o QuintoAndar comprou a Atta, que realiza assessoria jurídica para financiamentos. “Poderíamos desenvolver soluções próprias, mas a aquisição da Atta incorpora uma expertise adicional de forma rápida”, afirma Rafael Catelli, vice-presidente de produtos financeiros do QuintoAndar.

Em setembro, em movimento inverso, foi a vez do banco Santander adquirir uma plataforma imobiliária, a Apê11. Segundo Sandro Gamba, diretor de negócios imobiliários do Santander, a compra visa a criação de novos produtos para o ecossistema imobiliário da marca.

“As imobiliárias digitais e proptechs, que estão investindo em marketplace de compra e venda de imóveis, enxergaram que não dá para fazer esse movimento desvinculado de uma transação de crédito super eficiente, senão o consumidor pode achar o imóvel e demorar pra encontrar financiamento, aí o dono da propriedade desiste da venda”, afirma Bruno Gama, fundador e diretor-executivo da CrediHome. “Essas coisas precisam estar concatenadas”. A empresa não revela o valor da transação com a Loft.

Há ainda empresas que não fizeram aquisições no setor de crédito imobiliário, mas decidiram prestar mais atenção ao segmento.

A Xaza, que ajuda clientes a encontrarem o imóvel ideal e também presta assessoria jurídica na transação, não interferia no financiamento dos imóveis até cerca de 10 meses atrás, quando seu fundador, Fernando Nekrycz, que também é advogado especializado em imóveis, percebeu que estavam perdendo dinheiro ao deixar de fazer isso.

“Quando um cliente me ligou e falou que estava com problema no financiamento, percebi que meu conhecimento como advogado possibilitava um tráfego melhor junto às instituições financeiras, o que me levou a crer que deixei muito dinheiro na mesa, poderia ter feito isso há muito tempo”, afirma. Nesse período, a Xaza já intermediou mais de R$ 20 milhões em contratos de financiamento.

A plataforma Kzas Krédito nasceu sem crédito no nome, e com a proposta de ajudar clientes a encontrar o imóvel certo para eles, novo ou usado. Havia um segmento de crédito no negócio, mas, depois de dois anos de operação, seus fundadores perceberam que era nele que deveriam concentrar as atividades.

“Entendemos que nossa máquina de análise de crédito e avaliação de poder de compra estava funcionando muito bem e decidimos que o melhor caminho era dizer para a pessoa qual o melhor crédito para resolver seu problema e trabalhar com incorporadoras e imobiliárias como parceiras”, diz Eduardo Muszkat, cofundador e diretor financeiro da empresa.

Eles criaram uma ferramenta que permite aos corretores fazerem pelo WhatsApp simulações de financiamento imobiliário durante a visita dos clientes aos imóveis, o que possibilita ao cliente final visualizar melhor o valor que pode gastar na aquisição.

Ao intermediar a contratação do financiamento, as empresas recebem uma comissão sobre o montante do crédito. Além do resultado financeiro direto, participar da tomada de financiamento também ajuda a agilizar a concessão desse dinheiro e, consequentemente, a fechar negócio mais rápido, o que é bom para quem compra e para quem vende o imóvel.

As empresas de intermediação ajudam o consumidor a pesquisar as taxas e condições oferecidas pelos bancos, a entender todos os encargos envolvidos no processo do financiamento e a juntar os documentos necessários.

Um pedido de financiamento, que pode demorar de 30 a 60 dias para ser concedido, diz Nekrycz, dessa forma consegue ser finalizado em apenas 15 ou 20 dias. O recorde da sua empresa foi conseguir em uma semana.

A CrediHome tem a meta de concluir uma transação do tipo em apenas cinco dias, em um futuro próximo. “A ideia é que você peça crédito imobiliário na segunda e tenha na sexta, enquanto há alguns anos isso levava de quatro a seis meses”, afirma Gama.

Outro negócio do setor imobiliário que já percebeu a importância desse segmento é o grupo Lopes, de imobiliárias. Ele lançou há 13 anos uma joint venture com o Itaú para fazer intermediação e também concessão de crédito, a CrediPronto.

O negócio registrou R$ 3 bilhões em financiamentos no primeiro semestre de 2021, ultrapassando todo o montante de 2020, que já era um ano recorde. A receita foi de R$ 30,8 milhões no segundo trimestre do ano.

Cyro Naufel, diretor institucional da Lopes, ressalta que o segmento de crédito imobiliário é relativamente recente e que agora está em fase de amadurecimento. Ele começou a se desenvolver mais a partir de 1997, quando foi aprovada a lei que instituiu a alienação fiduciária, que facilita a retomada do imóvel em caso de inadimplência.

“Hoje parece que o financiamento imobiliário sempre existiu, mas ele antes era visto pelos bancos mais como ônus do que algo lucrativo. [Agora] o banco olha e fala ?posso emprestar dinheiro para esse cara e vou ficar com ele por 30 anos, posso colocar cartão de crédito e seguros?, descobriu que é um cliente altamente lucrativo, o melhor que ele tem”, afirma.

Para Gama, é um setor que vem evoluindo rapidamente. Há cerca de cinco anos, por exemplo, as transações eram em papel, enquanto hoje já é possível fazer todo o processo pela internet.

As mudanças na área, que tende a ser cada vez mais tecnológica, e a demanda crescente por financiamento permitem que o setor acomode mais negócios do que possui hoje, segundo os entrevistados.

“Tem espaço, mas o volume de investimento em tecnologia e a complexidade disso é muito alta, vai acabar atingindo uma parte dos players, então estamos muito contentes com a capacidade que a Loft tem de agregar valor em tecnologia”, afirma Gama. A CrediHome quer aproveitar o apoio da plataforma para também ampliar sua área de crédito próprio, que hoje responde por apenas 5% do total comercializado no negócio.

“O mercado no Brasil tem cinco bancos competindo e meia dúzia de empresas na intermediação. Tem espaço para todo mundo, mas vai absorver mais quem tiver a melhor experiência para o consumidor e a aprovação de crédito mais rápida”, diz Matheus de Souza Fabrício, diretor-executivo da rede Lopes.

A expectativa do setor é que o crédito continue bastante atrativo enquanto a Selic estiver em um dígito.

Após chegar a uma mínima de 2% ao ano, no segundo semestre do ano passado e início de 2021, a taxa está hoje em 7,75%, e a previsão é que termine 2021 em 8,75%, chegando a 9,75% ao longo de 2022.

Ainda que indiretamente, esse aumento chega às taxas de financiamento imobiliário. Segundo o Banco Central, a taxa média cobrada em setembro foi de 7,93% ao ano.

“Estamos vendo muita antecipação de compra. Se você precisa comprar imóvel, é melhor acelerar a compra agora do que esperar o ano que vem, a cada reunião do Copom que você financiar antes, vai ter economia”, diz Fabrício.

Gamba, do Santander, explica que as linhas de crédito atreladas à TR, hoje zerada, não apresentam movimento de alta sempre que a Selic subir. “Produtos de crédito imobiliário pré-fixados e atrelados à TR não têm esse movimento imediato com a Selic, e nós só ofertamos esse crédito”, afirma. “Mesmo com os aumentos recentes que foram feitos nas taxas, tem bastante oportunidade no mercado”.

Naufel analisa que o aumento da concorrência no setor de financiamento pode fazer com que os bancos não repassem integralmente o aumento da Selic para as taxas do financiamento imobiliário.

“É um produto muito importante do ponto de vista estratégico, que está sendo atacado pelas fintechs e bancos digitais”, diz Gama.