Fora do eixo Rio-São Paulo, Finacap avança com fundo de previdência para atrair clientes dos bancos

Há 25 anos no mercado, gestora pernambucana cresce com a regionalização do mercado, que impulsiona buscas por produtos locais

São 25 anos de atuação no mercado e R$ 1 bilhão sob gestão nas operações de asset e wealth, mas poucos na Faria Lima ou no Leblon saberiam responder, afinal, o que é a Finacap. Com sede no Recife, a tradicional gestora foge ao radar do grande mercado no eixo Rio-São Paulo. Usa a concentração do setor financeiro a seu favor, acelerando sua presença em um Brasil ainda ignorado pelos dois pólos financeiros.

Fundada em 1997, após o encerramento das operações do Banco Banorte, a Finacap aposta no fundo de previdência para atrair o cliente que começa a despertar para o baixo rendimento de produtos oferecidos pelos bancos. A capacidade do Icatu 70, fundado há três anos, é dez vezes maior que o atual volume sob gestão, de R$ 50 milhões. Para Luiz Fernando Araújo, a expectativa é bater os R$ 500 milhões nos próximos cinco anos.

Meta agressiva, diante da crise e da alta dos juros, já que o investidor hoje corre para a renda fixa. Mas Araújo explica que os fundos da casa não tiveram resgates neste ano e aposta fechar o ano com crescimento do patrimônio líquido. Ele enxerga um movimento de regionalização das corretoras, o que impulsiona as gestoras locais.

Não que dependa de terceiros para crescer. O fundo de ações da Finacap, bem exposto a commodities e empresas do setor de utilities (serviços públicos regulados), tem performance média anualizada superior a 18% ao longo das últimas duas décadas. 

Araújo é o defensor da filosofia do value investing “raiz”, como define a fidelidade à estratégia de longo prazo e à busca por empresas boas e baratas. A maior exposição da carteira de ações é à Petrobras, com 15% – o tamanho limite para alocação na gestora. Mesmo diante de inseguranças com as intervenções do governo de Jair Bolsonaro (PL) na gestão da companhia, o executivo se diz confortável com a posição. 

“É a petroleira mais barata no mundo. Além disso, o cenário de governança ficou muito melhor para o acionista”, explicou. A área de investimentos da Finacap tem cerca de R$ 300 milhões sob gestão em seus três veículos. Além dos fundos de previdência e de ações, a casa oferece um multimercado, que funciona como solução de renda fixa. O caminho é diversificar.

Confira a entrevista de Luiz Fernando Araújo, CEO da Finacap, ao portal BP Money.

BP Money – Como a carteira de ações dos fundos está exposta?
Luiz Fernando Araújo – Dividimos nossa carteira em quatro setores: financeiro, utilities, consumo e commodities. Nossa maior exposição é em empresas de commodities, com uma posição de cerca de 35%. A maior alocação da carteira é na Petrobras, com 15% (nosso limite). No setor, temos também Suzano, Vale e Gerdau entre as principais.

Em utilities, montamos uma posição relevante em Eletrobras, quarta maior posição na carteira, atrás de Petrobras, Vale e Itaú, mais ou menos nesta ordem. Suzano também entra na lista das cinco maiores alocações. 

Com maior exposição na Petrobras, vocês não temem os riscos das interferências políticas na gestão da companhia?
A gestora está no mercado desde 1997, quero dizer: vimos a Petrobras em diferentes estágios. A princípio, esses riscos sempre existiram e já foram até maiores em outros momentos. Mas, depois da Lava Jato e da política de contenção dos preços da empresa (entre 2014 e 2016), foram criados vários mecanismos que blindaram a companhia.

Por isso, hoje os fundamentos econômicos e operacionais da Petrobras estão melhores do que jamais foram. A precificação, então, nem se fala. É a petroleira mais barata no mundo. Além disso, o cenário de governança ficou muito melhor para o acionista. Então estamos confortáveis com a posição na empresa, apesar dessas questões.

Os preços estão mais sensíveis com o horizonte eleitoral e a pressão de demanda sobre commodities, mas vimos em 2008, por exemplo, o barril de petróleo alcançar $ 150. Os múltiplos da companhia nessa época eram ainda maiores. Era uma das “queridinhas” do mercado no mundo, inclusive com muita demanda de investidores estrangeiros. Para nós, foi mais interessante ainda, porque fizemos um short (posição vendida) quando a Petrobras descobriu o pré-sal e passou a ter um P/L (Preço/Lucro) de mais de 30 vezes. 

O pré-sal ainda era uma ideia, e não se tinha nem tecnologia para explorar petróleo naquela profundidade. Mas o mercado estava tão eufórico com o setor que a ação disparou. Só que a política de intervenção gerou um forte crescimento do endividamento e provocou a insolvência da empresa.

E quanto à proposta do governo federal de dobrar a chamada CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)?
É difícil definir uma regra para tributar apenas a Petrobras, quer dizer, uma proposta assim sofre resistência no mercado. E tributar o setor seria dar um tiro no pé, porque afugentaria investimentos justamente do setor que é a bola da vez hoje.

Quais são as alocações da carteira no setor de consumo?
Consumo é uma categoria em que agrupamos tudo que não é commodity, financeiro ou utility. Construção civil, em que temos MRV e Dexco, está nesse setor de consumo. A Log-In também entra nesse grupo e é nossa forma de ter exposição ao e-commerce. Temos também Randon dentro de consumo. 

A empresa mais diretamente ligada ao setor de varejo – uma posição que montamos recentemente – é a Lojas Renner. Era uma ação em que tínhamos interesse, mas cara. Agora caiu bastante, por isso aproveitamos.

Como vocês constroem essas análises sobre os ativos?
Partimos da premissa de comprar empresas baratas. Seguimos a filosofia do value investing raiz, com um olhar de longo prazo para o investimento, e ativos com taxa de crescimento mais baixa que o mercado, o que se reflete no preço da empresa. São negócios com fundamento. Nós temos os nomes que gostamos e avaliamos bem, os quais estamos sempre acompanhando.

Veja, chegamos a ter Magazine Luiza lá no início, quando a capitalização de mercado da empresa estava em torno de R$ 600 milhões. Mas achamos o IPO caro. A ação saiu de um patamar barato e subiu de forma tão acelerada que até demoramos para vender nossa posição, porque a empresa tinha saído totalmente dos critérios que usamos para determinar o valor. Hoje, listo entre as três piores ações no mercado (que considero apenas no universo de nomes que já fizeram parte da nossa carteira). 

A companhia chegou a ultrapassar os R$ 100 bilhões em valor de mercado em 2020 e hoje já está valendo em torno dos R$ 30 bilhões. Pode ser que esteja relativamente barata, mas não considero mais uma barganha.

A Finacap faz a gestão de fundos de previdência e multimercados também. Pode explicar a estratégia para essas carteiras?
O fundo multimercados é um produto que tentamos distribuir eletivamente, porque o negócio é realmente o fundo de ação, nossa expertise. No Finacap Multiestratégia FIM, a maior parte dos recursos sob gestão são de carteiras administradas, perfil que estava na origem da empresa. 

Por isso o multimercados atende uma demanda interna e de carteiras menores para ter uma solução de renda fixa. Criamos em 2016, quando a taxa de juros estava alta (assim como agora) e temos um perfil de risco moderado. É uma gestão bem passiva, de posicionamento em renda variável, CDI, curva de juros que o fundo balanceia. 

E no caso do fundo de previdência da casa?
Replicamos a estratégia do fundo de ações. Obviamente, temos um sistema para monitorar qualquer desvio, assim ajustamos as carteiras. A única diferença no Icatu 70 é que, como quisemos oferecer o fundo para o varejo, só podemos ter até 70% da alocação em ações. A carteira tem as mesmas posições do fundo Mauritsstad, e os outros 30% estão investidos em renda fixa.

O fundo começou em 2019, com R$ 5 milhões e hoje está com R$ 50 milhões sob gestão. Temos uma ótima equipe de gestão, mas somos uma empresa fora do radar do grande mercado. Por isso, a plataforma Icatu funciona bem, como uma prateleira de produtos. Em outros sistemas, fundos menores sequer aparecem.

A gestora está fora do eixo Rio-São Paulo, que concentra o mercado de capitais. Qual é o perfil do investidor da Finacap? 
Temos uma maioria de investidores locais, da nossa praça (Recife), que são pessoas que conhecemos e com os quais sempre nos encontramos. É um cliente muito alinhado com a nossa filosofia, de exposição bem controlada em renda variável. 

Ficou mais difícil captar para os fundos neste ano?
Pelo contrário, conseguimos ficar positivos em captação. E arrisco dizer que a empresa deve fechar este ano com crescimento em patrimônio líquido. O que aconteceu foi uma suspensão de captação do investidor institucional, porque muitos desses processos foram congelados. Com a alta da taxa de juros, a renda fixa ficou muito interessante para esses agentes, que trabalham com meta atuarial. Mas não tivemos resgates.

Acho que isso é fruto de um trabalho que fazemos para explicar ao investidor nossa visão de longo prazo. Mas – para se ter uma ideia – em março de 2020, no auge da pandemia, recebemos dois aportes grandes de investidores qualificados no fundo que nos permitiram fazer boas alocações naquela época. 

A gestora vê espaço para crescer e captar com investidores de outras praças?
Há, sim, mesmo com a indústria ainda bem concentrada no eixo São Paulo-Rio. Existe um movimento interessante de regionalização das corretoras, uma volta de um cenário comum nos anos 1990. Do lado da oferta, vejo como a descentralização ajuda a aumentar a distribuição dos produtos. 

Na ponta da demanda, acredito que o mercado também deve crescer de forma significativa e agora também muito mais sofisticada para o Icatu 70.

Mas o fluxo vem sendo de migração para a renda fixa. Por que você enxerga esse salto na demanda?
Com o banco como distribuidor, o ambiente de oferta era limitada, e a demanda, pouco sofisticada. Só em previdência privada, existe R$ 1 trilhão nas mãos dos bancos, rendendo 80% do CDI. Eram clientes que não tinham nem ideia de para onde seu investimento estava indo.Acredito em um despertar de consciência do cliente de previdência privada para a qualidade e retorno dos seus investimentos.

Como vocês fazem a proteção da carteira nos fundos?
Acreditamos na diversificação dos investimentos. Há gestores do value investing que usam derivativos, o que até tentamos, mas não tivemos uma experiência positiva. Temos uma área de gestão de patrimônio privado na qual parte do nosso trabalho é ensinar o investidor a diversificar a carteira, partindo da lógica que é impossível acertar tudo o tempo todo. Investir é uma disciplina.

Finacap
Sede: Recife
Liderança: Luiz Fernando Araújo, sócio e CEO 
Foco: fundos de ações, previdência e multimercados
Capital sob gestão: R$ 1 bilhão, considerando as atividades de asset e wealth. A gestora concentra cerca de 30% dos recursos sob gestão 
Entrevistados: Luiz Fernando Araújo 
Estrutura: 17 pessoas. Área de gestão é liderada por Luiz Fernando Araújo, e a área de relações com investidores é liderada por Alexandre Brito. Já a área de operações é liderada por Bruno Cisneiros.