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Cartão de crédito retroativo: custo na portabilidade desfavorece bancos

Ao transferir um saldo devedor, o banco receptor deve desembolsar um pedágio à instituição inicial, chamado de RCO

Transferir um contrato de empréstimo de um banco para outro será uma operação gratuita para clientes a partir de 1º de julho deste ano. No entanto, os bancos devem sentir um impacto significativo, uma vez que serão a parte responsável por desembolsar o valor da transação. 

A decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), colegiado formado por ministros de Estado e pelo presidente do Banco Central, anunciada no fim de dezembro do ano passado, possibilita que o cliente com dívidas no cartão de crédito rotativo poderá buscar uma instituição financeira que ofereça juros menores, ou melhores condições de pagamento do débito, e pedir uma proposta.

Ao transferir um saldo devedor, o banco receptor deve desembolsar um pedágio à instituição inicial, chamado de Remuneração de Cessão de Obrigações (RCO). Esse encargo pode atingir valores superiores a R$ 8 mil, como é o caso em financiamentos imobiliários. O Banco Central, que em 2020 cogitou estabelecer um limite para a RCO, parece ter abandonado a iniciativa.

Procurada, a Zetta, associação que reúne fintechs como Nubank e Mercado Pago, defende o fim do RCO para todas as modalidades de portabilidade de crédito, com exceção do imobiliário, que possui um custo maior de aquisição e manutenção por parte das instituições financeiras. 

“O fim dessa cobrança tem alto potencial de incrementar a portabilidade, promovendo um ambiente econômico mais democrático e acessível, que resulte em maior competitividade, inclusão e inovação no mercado financeiro brasileiro”, arguementou a associação em resposta ao BP Money.

A Febraban (Federação Brasileira de Bancos), por sua vez, afirmou à reportagem que a portabilidade de crédito surge como instrumento benéfico ao cliente bancário de modo geral, uma vez que permite a busca por condições mais vantajosas para a operação de crédito em curso, podendo substituir a dívida atual por uma mais barata.

Para a Febraban, o RCO foi instituído com a finalidade de evitar desequilíbrios e prevenir práticas predatórias na portabilidade. Isso porque a originação de uma operação de crédito implica em diversos custos que geralmente são recuperados ao longo da vida útil da operação, mas ficam sem pagamento no caso da portabilidade. 

Como solução, a Zetta ainda sugere alternativas à convencional transferência feita pelos bancos. “O Sistema Financeiro Nacional vive hoje uma grande efervescência tecnológica, sobretudo com a chegada do Pix e do Open Finance, estando apto a encontrar outras formas de operacionalizar a portabilidade de crédito com custos menores que os praticados atualmente no mercado”, destacou.

Estímulo à competitividade entre os bancos

A principal entidade representativa dos bancos brasileiros também destaca a iniciativa como estímulo à competição entre instituições financeiras, possibilitando a oferta de condições mais favoráveis com base em diferenciais competitivos.

“A portabilidade representa um estímulo à concorrência entre as instituições financeiras, que podem oferecer melhores condições para um cliente em função de seus diferenciais competitivos”, disse.

O economista e sócio da Matriz Capital, Vinicius Moura, ressalta o mesmo ponto ao BP Money e evidencia as maiores vantagens para os clientes que podem procurar as melhores alternativas para o quitamento da dívida.

“Esta medida permite que os consumidores solicitem a transferência de suas dívidas de cartão de crédito para outras instituições, possivelmente buscando melhores taxas de juros. Para os bancos, isso introduz uma nova dinâmica competitiva, onde eles podem precisar oferecer condições mais atraentes para reter ou atrair clientes com dívidas de cartão de crédito”, avalia.

Como vai funcionar a portabilidade gratuita?

Clientes com dívidas no cartão de crédito rotativo têm a opção de buscar instituições financeiras que ofereçam juros mais competitivos ou condições de pagamento mais favoráveis, segundo orientação do Banco Central (BC) divulgada em suas redes sociais. Após receber uma proposta, o cliente pode verificar se o banco detentor da dívida original está disposto a apresentar uma contraproposta.

O BC estabeleceu algumas regras para esse processo. A proposta da instituição proponente deve ser realizada por meio de uma operação de crédito consolidada.

Se a instituição credora original optar por fazer uma contraproposta, ela deve apresentar ao cliente, no mínimo, uma proposta de operação de crédito consolidada com o mesmo prazo da operação proposta pela instituição proponente, para fins de comparabilidade dos custos.

Crédito rotativo: limite de juros

As novas regras que impõem limites aos juros do rotativo do cartão de crédito no Brasil entraram em vigor no início de janeiro. Com a mudança, a dívida total, incluindo juros, para quem atrasa o pagamento da fatura do cartão não pode ultrapassar o dobro do débito original.

“As novas regras que limitam os juros dos cartões de crédito a 100% ao ano podem ter um efeito duplo. Para os clientes, essa limitação pode representar um alívio nas dívidas do rotativo, reduzindo o custo total do crédito. No entanto, ainda é um patamar elevado de juros, exigindo cautela por parte dos consumidores”, contrapõe o economista Vinicius Moura.

É importante observar que o custo do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) está excluído desse cálculo, sendo aplicável apenas a dívidas contraídas a partir de janeiro.

A iniciativa ocorre justamente na categoria de crédito mais cara do país, com juros que, em outubro  de 2023 (último dado disponível), ficaram em 431,6% ao ano. A recomendação é que os clientes bancários paguem todo o valor da fatura mensalmente.

Moura ainda ressalta que o limite no retroativo também pode impactar de maneira considerável os lucros dos bancos.“Para os bancos, essa limitação pode resultar em menor receita dos juros do rotativo, mas, ao mesmo tempo, pode forçar as instituições financeiras a reverem suas práticas de crédito, potencialmente levando a uma gestão de crédito mais saudável e sustentável”, completou o especialista.