Abertura de capital estrangeiro na mídia é barrada

O presidente, Jair Bolsonaro, vinha sendo pressionado por Edir Macedo, dono da Rede Record

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cedeu à pressão do bispo Edir Macedo, dono da Record, e barrou uma PEC (proposta de emenda à Constituição) do Ministério das Comunicações que prevê uma reforma na radiodifusão e a abertura da mídia ao capital estrangeiro.

Hoje, a Constituição veta estrangeiros no controle de empresas de comunicação. A participação financeira de grupos de fora está limitada a 30%.

Apesar de discordarem dos mecanismos de abertura existentes na minuta da PEC, as demais emissoras -principalmente Globo, Band e RedeTV!- defendem a entrada irrestrita dos estrangeiros no país.

Os canais viram na postura da Record uma forma de retardar a internacionalização dos concorrentes, que, segundo pessoas que participam das conversas, prospectam parceiros globais.

Assessores do Palácio do Planalto afirmam que o pleito da Record, uma das principais aliadas do governo, ocorreu em uma conversa de Bolsonaro com o bispo Macedo há cerca de dois meses.

Por meio de sua assessoria, Macedo disse que “jamais conversou com o presidente da República, Jair Bolsonaro, sobre qualquer assunto relacionado a propostas de emenda constitucional”.

Ainda segundo seus assessores, o presidente concordou que a entrada de estrangeiros neste momento poderia colocar em risco seu plano de reeleição e o avanço das emissoras que, desde sua vitória nas eleições de 2018, tornaram-se próximas ao Planalto.

“Esse governo é totalmente contrário à entrada de estrangeiros”, afirmou à Folha o ministro das Comunicações, Fábio Faria. “E digo mais: nem o PT é a favor dessa abertura.”

Faria negou a existência de uma PEC sobre o assunto em sua pasta e disse que as emissoras tentam obter essa mudança na Constituição via Congresso, onde também existe uma proposta parecida.

No entanto, emissoras consultadas pela Folha afirmaram que existe uma minuta da PEC concluída pela área técnica do ministério, que aguardava a realização do leilão do 5G para avaliar a oportunidade de dar início às discussões entre governo e Congresso.

A posição do governo contraria o próprio ministro, que, em janeiro deste ano, afirmou em um evento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que a pasta começaria a discutir o fim das restrições a estrangeiros na mídia.

A quebra dessa barreira foi uma recomendação da OCDE para ajudar o Brasil a ganhar pontos na disputa por uma vaga no grupo.

Os interesses das emissoras são bastante diferentes em relação à parceria com estrangeiros. A Record, ainda segundo assessores do Planalto, não tem planos de atraí-los.

No mercado, especula-se que o SBT já procura compradores. A Band teria interesse em conseguir um parceiro capaz de injetar recursos em troca de 49% de participação.

Para isso, as emissoras buscavam modificar os termos da PEC do ministério que também promoveria uma mudança mais ampla nas regras da radiodifusão. Em outra frente, trabalhavam no Congresso, Casa na qual uma outra PEC está paralisada.

De acordo com as emissoras, a PEC do governo é bem diferente daquela elaborada pelo deputado Eli Corrêa Filho (DEM-SP), que prevê somente a ampliação da participação estrangeira de 30% para 49%.

As empresas insistem para que não haja limites e estrangeiros possam deter o controle de empresas de comunicação.

Para ser aprovada, é preciso passar pelas comissões do Congresso e ser votada em dois turnos na Câmara e no Senado.

Até o momento, não houve consenso pela apresentação da PEC, apesar do apoio de emissoras e de o deputado ser presidente da Frente Parlamentar da Radiodifusão, que tem mais de 270 deputados –muito mais do que o necessário (171).

As empresas afirmam que a proposta do ministério separa a produção de conteúdo da veiculação dos programas (distribuição), saída para contornar a resistência política.

A ideia foi permitir que uma empresa seja dividida em duas: uma fica responsável pelo conteúdo (produção editorial) e outra, pela distribuição.

A abertura aos estrangeiros só ocorreria na empresa de distribuição. Isso permitiria manter a restrição imposta pelo artigo 222 da Constituição a estrangeiros na produção de conteúdo, maior foco de resistência.

Mesmo assim, para prever esse novo desenho, seria preciso alterar o artigo 222 por meio de uma PEC.

Pessoas que participaram das discussões desse projeto afirmaram que a abertura para os estrangeiros seria completa (100%) para o braço de infraestrutura. Na outra empresa continuaria valendo para eles o limite de 30%.

Para os radiodifusores, essa proposta não deve prosperar porque não representa uma mudança efetiva.

Na avaliação de representantes das emissoras, não haveria interesse de conglomerados estrangeiros em injetar recursos na ampliação das redes.

As parcerias seriam comercialmente interessantes na produção do conteúdo -hoje o principal ativo de empresas de internet, como Netflix e Amazon, com quem o setor vem competindo em desigualdade.

Os técnicos do ministério, ainda segundo as emissoras, avaliaram que essa solução, no entanto, atende aos interesses dos canais locais que, neste momento, buscam parceiros estrangeiros para se capitalizar.

Também consideram que esse novo formato poderá estimular o surgimento de novas redes nacionais com aliados internacionais.

Hoje há quase uma dezena de canais disponíveis em rede nacional (a mesma frequência livre em todos os estados e no DF).

A PEC também prevê acabar com o limite de retransmissoras por estado e organizar o mercado em torno de grupos econômicos.

A Globo, por exemplo, seria tratada como um grupo econômico, com suas afiliadas. Hoje, cada processo no ministério ou na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) é tratado isoladamente, pelo CNPJ do dono da rede afiliada, por exemplo, o que torna os processos numerosos e demorados.

Consultados, o Palácio do Planalto, a Abert e a Abratel, que reúnem as emissoras do setor, não responderam.