Política

PEC Kamikaze tem fim eleitoreiro e compromete fiscal, dizem analistas

A PEC tem como objetivo mitigar os efeitos dos sucessivos aumentos nos preços dos combustíveis

Desde quando foi aprovada pelo Senado na última quinta-feira (30), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Kamikaze, também chamada de PEC dos Benefícios, que cria e amplia benefícios sociais a fim de mitigar os efeitos de sucessivas altas nos preços dos combustíveis, tem mexido com os bastidores de Brasília. Para analistas ouvidos pelo BP Money, o intuito vai além do social: os gastos buscam conquistar eleitores para o presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de outubro. 

A PEC Kamikaze vem gerando debates entre situação e oposição nos últimos dias. Precisando passar pela Câmara dos Deputados, a sua votação foi adiada nesta quarta-feira (6) após um pedido de vistas.

Além disso, para não ferir a Lei Eleitoral, que proíbe a criação de benefícios em ano de eleições, o texto prevê o estado de emergência no País. 

“No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei”, diz a Lei Eleitoral.

Coordenador Técnico da Pós-Graduação em Negócios Internacionais do Ibmec-RJ, o professor José Niemeyer afirmou que a PEC é eleitoreira, principalmente por tocar em setores em que Bolsonaro precisa conquistar eleitores. 

“Com certeza tem uma finalidade eleitoreira. É fundamental nessa fase inicial de campanha política que Bolsonaro consiga principalmente eleitores do Nordeste e de baixa renda. Essa PEC traz benefícios diretamente para essa camada da sociedade brasileira”, explicou Niemeyer em entrevista ao BP Money. 

“Ela também envolve a utilização de combustível mais barato e impacta muito o agronegócio. E a base desse setor apoia Bolsonaro. Porém, ele também busca atingir os trabalhadores do campo e não apenas os fazendeiros e as empresas agropecuárias”, completou o coordenador.

No entanto, o especialista pondera que o estado precisava agir em meio aos diversos fatores atuais que têm impactado na economia.

“Numa situação de crise, pós-pandemia, que afetou muito a estrutura macro e microeconômica brasileira, com a situação de guerra e tendência a escalar o conflito, o estado deve atuar de maneira mais direta. Então esta maneira de atuar, via PEC, ela é correta”, avaliou o professor.

O texto que os senadores aprovaram foi o parecer à PEC 1/2022, que foi apensada à PEC 16/2022, conhecida como PEC dos Combustíveis, que previa compensação aos estados pela redução a zero do ICMS sobre combustíveis. 

No entanto, o relator, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) abandonou a ideia de compensação aos estados, recomendando o arquivamento da PEC 16, e focou na PEC 1, que foi apelidada de “PEC Kamikaze” no início do ano, justamente por criar benefícios com impacto fiscal bilionário fora do teto de gastos, regra que limita o aumento das despesas do governo. 

Ao apresentar um parecer com base na “PEC Kamikaze”, o relator manteve as premissas do texto original, que criava benefícios, mas fez algumas mudanças. O impacto fiscal do texto original chegava a R$ 100 bilhões. A versão aprovada pelos senadores custará R$ 41,25 bilhões.

“No longo prazo irá causar prejuízo. Aumento do déficit público, aumento da dívida pública real e nominal. No futuro vamos ter um melhor perfil de dívida interna do Brasil, então isso pode estar no cálculo do governo de insistir muito na PEC dos benefícios”, alertou Niemeyer. 

O texto final, que foi enviado à Câmara, prevê a criação de um voucher caminhoneiro de R$ 1 mil e de um benefício para taxistas, além de ampliar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e dobrar o vale-gás de R$ 60 para cerca de  R$ 120 por bimestre.

Entretanto, a implementação de novas concessões à PEC pode ser barrada pelo Ministério da Economia. O chefe da pasta, Paulo Guedes, se mostrou bastante receoso após o relator do projeto, Danilo Forte, estipular o aumento do custo da PEC dos Combustíveis para até R$ 50 bilhões, de acordo com apuração do “Estadão”.

Impacto da PEC Kamikaze no mercado

O mercado também deverá ser impactado pela PEC Kamikaze, já que a proposta fura o Teto de Gastos, comprometendo a política fiscal e pressionando ainda mais a inflação – que está em 11,73% no acumulado dos últimos 12 meses.

“Você abre mão do fiscal e, consequentemente, o país sofre uma ancoragem maior. E nesse momento em que os EUA está subindo os juros, cada vez mais nosso País tem que ter um diferencial de juros maior para ser atrativo, tendo em vista que nosso fiscal está melhorando”, explicou Pedro Queiroz, da mesa de Renda Variável da SVN.

Outro ponto de preocupação de Queiroz é a perda de arrecadação do ICMS. Os Estados pediram que a alíquota do ICMS sobre o diesel seja calculada com base na média dos últimos 60 meses e que os combustíveis não sejam considerados bens essenciais – e, portanto, sujeitos ao teto de 17% e 18% na cobrança da alíquota do imposto, conforme lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro.

“Ela vem em um ano totalmente complicado, em que nosso fiscal já está sendo posto em risco por conta dos benefícios e pela perda de arrecadação do ICMS, que congelou entre 17% e 18%”, pontuou Queiroz.

Na última sexta (1º), o dólar também reagiu à aprovação da PEC no Senado e a tendência é que siga subindo caso comprometa o teto de gastos, como explicou Alberto Marino, Head Offshore da SVN.

“Em se tratando de Brasil, a última aprovação que tivemos por parte do governo pode comprometer o teto de gastos, o que por consequencia trará uma forte queda na credibilidade do Brasil em termos fiscais. Com isso, além de uma movimentação já percebida no câmbio, podemos ter reflexos na inflação e também nas taxas de juros”, analisou Marino.

Com o adiamento, a expectativa é de que a votação da PEC Kamikaze na Câmara dos Deputados ocorra nesta quinta-feira (7).