Sororitê, rede de venture capital, enxerga oportunidades para investimento em startups neste ano

Após crescer quase dez vezes em um ano de operação, investidoras anjo buscam lacunas em segmento dominado por homens

O ano será uma prova de fogo para as startups, mas pode não ser tão difícil para alguns investidores de venture capital. Segmento ainda incipiente no mercado de ativos de risco no País, o ambientes para investimentos tende a ficar mais confortável conforme a concorrência diminui. Um cenário favorável para a plataforma Sororitê. A rede de investidoras anjo fundada por Erica Fridman e Flávia Mello, às quais depois se juntaram Jaana Goeggel e Mariana Figueira, vem crescendo sobre as lacunas deixadas pelos fundos sob lideranças masculinas.  

Além disso, o Sororitê se vê diante da desaceleração dos investimentos dos grandes fundos e da tendência de correção dos valuations de startups. Por isso, após crescer quase dez vezes no primeiro ano de operação, período em que saiu de oito para 74 membros, as cofundadoras se sentem otimistas mesmo no horizonte de curto prazo.

A perspectiva é chegar a 100 investidoras anjo até o fim do ano, uma previsão que Flávia havia traçado no fim de 2021 e sobre a qual Erica era cética, dado o cenário de mercado. “Agora já acho que vamos passar essa marca, porque temos investidoras entrando na rede toda semana”, disse a cofundadora do Sororitê em entrevista ao BP Money. 

Outro número importante, lembra Erica, é o do volume de capital entregue às empreendedoras. “Já alcançamos R$ 3 milhões em captação para as startups”, contou. De abril a junho, o salto no volume de investimentos do Sororitê foi de R$ 500 mil. Cifra nada modesta, considerando que o grupo atua nas rodadas pré-seed, cuja captação chega a R$ 1 milhão, e os cheques podem girar entre R$ 1 mil e R$ 150 mil. 

“Será um período difícil, de forma geral, mas a concorrência menor no setor nos dá mais tempo para as avaliações e assim fazer investimentos com segurança”, explicou a investidora. No passado, o grupo já chegou a ficar de fora de um negócio porque a meta definida pela empreendedora foi alcançada em menos de dez dias. Episódio com menos chances de se repetir neste ano, reflete Erica.  

Sororitê que atrair bons negócios que passam despercebidos pelo mercado investidor, dominado por homens

O perfil de investidoras no Sororitê é similar ao das fundadoras, já que o projeto tem como base a sua rede de relacionamentos. Naturalmente, o grupo atraiu mulheres entre 35 e 50 anos, passando por mudanças nas carreiras. Uma maioria de empreendedoras e executivas que trabalham no mercado de startups. 

Conforme expande, no entanto, a plataforma vem ganhando novos perfis. “Começamos a ter investidoras mais novas. Acredito na hipótese de que há mulheres jovens querendo investir em empreendedoras, mesmo com cheques menores. É uma geração mais engajada do que foi a minha”, explicou Erica. 

A tese no Sororitê é que bons negócios liderados por mulheres passam despercebidos no mercado investidor, justamente pela pouca diversidade de olhares. Os pitches (apresentações das startups para investidores) para a rede costumam ser mais extensos e acontecem às 8h30 da manhã, janela que o grupo entendeu ser melhor na rotina das investidoras e empreendedoras. 

Assim, a plataforma conseguiu se consolidar como uma referência de investimento anjo para essas startups. Foi o caso da Feel, criada por Marina Ratton, com uma linha de produtos veganos para a região íntima feminina – inovadores no mercado brasileiro. 

Menos de um mês após a fusão com a Lilit, que faturou mais de R$ 1,7 milhão apenas com a venda de um único produto (o vibrador), a Feel seguirá para uma rodada seed, fase em que a captação costuma ficar entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões. 

O impacto do pitch da Feel para o Sororitê, segundo Erica, partiu da revelação às investidoras sobre como há poucos negócios no mercado pensados por mulheres e para mulheres. “Embora haja um intuito comum de ajudar a empreendedora, estamos fazendo negócios e procurando boas oportunidades para ganhar dinheiro”, reiterou. 

Para ela, essa ideia já está consolidada no grupo e, ao passar boas empresas ignoradas pelo “portão de entrada” do venture capital, o projeto cresceu exponencialmente. “Queremos a oportunidade de ser as primeiras a olhar para esses negócios, ainda que as empreendedoras busquem outras fontes de investimento.”

Por ter um grupo de investidoras relativamente mais conservador nas cifras, a crise no mercado deve ter pouco impacto sobre a atuação do Sororitê. Até mesmo as empreendedoras que o projeto atrai trabalham com valores exatos e “bem justos, quer dizer, na ponta do lápis”, avaliou Erica. 

“Pode ser minha visão qualitativa do negócio, mas essas mulheres tendem a ser mais focadas em caixa, no controle de gastos e também mais precisas nos pedidos de captação, o que deve exigir menos ajustes nas teses das empreendedoras neste ano”, avaliou. Enquanto isso, era o hábito de muitas startups no mercado pedir mais do que precisam e gastar mais do que poderiam, relata a investidora.

Na carteira de Erica estão duas empresas que passaram pelo Sororitê neste um ano de operação: a Muda Meu Mundo, um marketplace que conecta pequenos agricultores às redes supermercadistas, e a Feel. A executiva já investiu também na plataforma de venda de produtos orgânicos Raizs e na BotCity, uma ferramenta para developers.

Enquanto mulheres forem minoria entre as lideranças do venture capital, empreendedoras enfrentarão desafios para crescer

Embora o mercado de investimentos de risco seja menor no Brasil na comparação com países desenvolvidos, os anos de juros baixos (especialmente 2020, quando a Selic chegou a 2% ao ano), geraram a necessidade de diversificação das carteiras. Os níveis desses indicadores levaram muitos investidores ao universo do venture capital, uma nova fronteira para o brasileiro. Agora, são os juros que mais uma vez expulsam os investidores de volta à renda fixa. 

Só que a rede do Sororitê está caminhando no sentido contrário por atender uma demanda reprimida, na avaliação da sua cofundadora.

“Não ficou mais difícil atrair investidoras, porque estamos lidando com mulheres que tinham interesse no venture capital mas se sentiam intimidadas pelos grandes grupos, predominantemente masculinos”, contou Erica. 

No País, o setor de startups era, até 2018, dominado pelo capital estrangeiro via grandes fundos de venture capital. Só que as rodadas iniciais de investimento em startups são um espaço mais amigável. Seguindo essa lógica, o Sororitê entendeu que alcançaria seu objetivo focando nos negócios germinais.

É dessa forma que Erica, Flávia, Jaana, Mariana e outra 70 investidoras hoje estão tentando furar o “Clube do Bolinha”, como a cofundadora define o mercado dominado pelas lideranças masculinas. “Quando decidimos que seríamos investidoras anjo, nós nos deparamos com um mundo masculino, de homens mais velhos, normalmente ex-CEOs, o que acabava sendo intimidador”, relatou Erica. 

O Sororitê quer mais mulheres no mundo dos investimentos de risco, ao passo que quer impulsionar negócios com lideranças femininas, que têm mais dificuldade de acesso ao capital.

Para conseguir um pitch com a rede de investidoras anjo, ao menos 50% de participação societária da empresa deve estar nas mãos de fundadoras ou a CEO deve ser mulher. A tese, explica Erica, é um caminho para atrair essas startups. 

“Muitas executivas relatam serem ignoradas nas apresentações quando há um colega homem presente, mesmo que elas sejam as líderes ou idealizadoras do negócio. Então nosso posicionamento é uma questão de afinidade, de demonstração de respeito e também um alinhamento com uma busca por diversidade entre investidores”, disse. Empreendedoras com captações praticamente fechadas já buscaram o Sororitê para garantir que haveria mulheres investindo em suas startups.

Em 2020, 97% dos fundos venture capital no Brasil não tinham nenhuma mulher no quadro de fundadores. Nos Estados Unidos, as mulheres ocupavam menos de 15% dos cargos de liderança em fundos de capital de risco em 2021. A subrepresentação feminina nesse segmento não é um retrato dos mercados brasileiro e norte-americano, e sim de todo o mundo, segundo levantamento da Lavca, entidade de representação do setor na América Latina.

“Pode ser que esse número tenha melhorado, conforme surgiram novos agentes voltados a atrair as mulheres para o segmento de venture capital, mas o ecossistema inteiro precisa se movimentar para que os índices de igualdade e acesso a investimentos melhorem como um todo no setor”, avaliou Erica. 

No Sororitê, quando as startups crescem e partem para rodadas seed – caso da Feel hoje -, a rede faz conexões, ajuda a empreendedora a pensar a apresentação e a definir o valuation. “Mas não estamos juntas lá na hora da apresentação aos investidores, então o que acontece se as próximas etapas ainda são dominadas por investidores homens?”, concluiu a executiva.