Plataformas de crowdfunding ganham novas regras para investimentos em startups

Resolução da CVM expande a atuação de modelo de financiamento online e amplia as possibilidades para investidores pessoa física no setor

O investidor pessoa física ganhará mais uma opção para investir em startups a partir de julho deste ano. A nova instrução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para regulamentar plataformas de equity crowdfunding aumenta o limite de receita bruta anual da investida e o teto para captação pelo veículo de financiamento coletivo. Uma mudança que criará um “novo mercado no Brasil”, disse Camilla Telles, líder de expansão da CapTable, uma das maiores plataformas de investimentos em startups no País.

Um mundo que se expande principalmente para as startups de porte pequeno e em fase de expansão, que ganharam uma nova fonte de financiamento. O limite de receita bruta anual das empresas que buscam investimentos via plataforma de crowdfunding saltou de R$ 10 milhões para R$ 40 milhões. Neste segundo semestre, a nova instrução da CVM também passa o teto da captação por meio desses canais de R$ 5 milhões para R$ 15 milhões. Para grupos econômicos se enquadrarem nesse formato de aporte, a margem de faturamento poderá chegar a R$ 80 milhões no ano.

A novidade vem provocando uma corrida de empreendedores às plataformas de crowdfunding que fazem captação para investimentos em startups. “É uma saída estratégica porque muitas vezes não mexe na participação acionária da startup, isto é, não há diluição do controle”, apontou Camilla. Uma das premissas tanto do venture capital quanto do private equity é a entrada do capital como uma forma de abocanhar uma fatia de participação na companhia – muitas vezes tomando o controle acionário.

Fundos de venture capital, além de se guiarem por teses de investimentos já comprovadas, acabam focando em segmentos maduros, como são os casos das fintechs e insurtechs, que operam com soluções financeiras e de seguros, respectivamente. Nas plataformas de equity crowdfunding, as possibilidades não estão restritas a modelos de negócios ou segmentos. Mas tamanha flexibilidade levantou dúvidas entre investidores e até levou ao desgaste da imagem dessas plataformas. 

“No nosso caso, os números mostram o respeito que temos pelo mercado”, defendeu Camilla, que aponta um índice de quase 98% de sucesso dos aportes mediados pela plataforma. Desde 2019, a CapTable mediou a captação de R$ 72 milhões em mais de 50 startups, o que ajudou sua base ativa a alcançar 6,6 mil investidores. “Os fundos de investimentos podem ser específicos, enquanto nós somos mais ‘agnósticos’, isso quer dizer, olhamos para oportunidades em todos os segmentos”, afirmou. 

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Outro ganho com a nova regulamentação são as medidas para profissionalizar esses canais de investimentos. A regra que entra em vigor no segundo semestre torna obrigatório o registro dos valores mobiliários por escriturador registrado na CVM ou de controle de titularidade e de participação societária, por parte das plataformas.

Além disso, ao estabelecer metas de captações ou bater o faturamento anual de R$ 10 milhões ou mais no exercício anterior, as empresas deverão ter o relatório de demonstrações financeiras submetido a auditorias. As plataformas de equity crowdfunding, por sua vez, precisarão apresentar capital social mínimo de R$ 200 mil e passa a ser obrigatória a contratação de um profissional de compliance a partir do exercício em que alcançar o valor de R$ 30 milhões em ofertas públicas intermediadas.

Startups que procuram o crowdfunding como fonte de financiamento normalmente já passaram por investidores anjo ou aceleradoras e buscam caminhos no mercado para dar o próximo passo. Aportes da escala que essas plataformas poderão mediar costumam ser destinados à expansão em escala nacional e até a entrada em mercados estrangeiros, o que pode levar essas companhias a captações por fundos maiores no futuro. 

Em entrevista ao “InfoMoney”, Guilherme Enck, cofundador da CapTable, lembrou que a regra também deve trazer benefícios como o lote adicional de investimento. O overfunding, quando as empresas recebem mais recursos do que pretendiam levantar, tem um limite de 25% do valor definido na captação primária da empresa. “As empresas reduzem seu risco na primeira captação, pedindo um valor menor, e alcançam o valor total de investimento pretendido juntando com o lote adicional”, disse à reportagem.

Outro recurso que as startups terão a partir de julho será a possibilidade de usar os recursos para adquirir participações em outras empresas, desde que passem a atuar como sócias majoritárias no outro negócio. A aquisição de participações minoritárias ainda é vetada pelo instrumento da CVM. 

Em pormenores: a norma que entrará em vigor em 1º de julho deste ano é a Resolução CVM 88, em substituição à Instrução CVM 588, e traz inovações nas regras aplicáveis às ofertas públicas de sociedades empresárias de pequeno porte, realizada com dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo. “Após quase cinco anos de vigência da norma editada em 2017, a CVM observou a possibilidade de realizar aprimoramentos que pretendem expandir a capacidade de captação por parte de empreendedores, ao mesmo tempo em que se amplia o universo de empresas que podem utilizar essa modalidade de captação”, afirmou o presidente da autarquia no comunicado ao mercado. 

Na expectativa por essa virada de chave no mercado, Camilla Telles conta que a CapTable já está se preparando há algum tempo para “um novo mundo que se abre para a gente”, disse, em referência às oportunidades que surgem com o aumento do teto para captação e o novo limite de faturamento para as startups investidas. 

 

Startups fora do radar dos fundos de investimentos podem ser boas oportunidades via equity crowdfunding

 

Pequenas, baseadas em negócios disruptivos ou em mercados muito novos, muitas startups passam longe do radar dos grandes fundos de investimentos. Como esse ecossistema de inovação é relativamente novo no Brasil, grande parte do capital acaba sendo destinado para os segmentos mais tradicionais, como as empresas no setor financeiro.

O cenário brasileiro para captação de startups é diferente do que se vê em ambientes mais maduros, como no Vale do Silício. No mercado norte-americano, mesmo com a atual queda geral das big techs, os investidores ainda estão geralmente mais predispostos a riscos com aportes de venture capital do que aqui no País.

A ver: no acumulado do ano, as fintechs foram as startups que mais receberam investimentos no Brasil, US$ 1,2 bilhão, mais da metade de todo o volume investido no mercado (US$ 2,3 bilhões) até agora. Startups de varejo (retailtechs) aparecem em um segundo lugar – mas com uma distância enorme para as líderes – , tendo levantado US$ 281,6 milhões entre janeiro e abril, enquanto as startups de recursos humanos, no terceiro lugar, receberam US$ 219,2 milhões no período, de acordo com levantamento da plataforma Distrito e do Bexs Banco.

Outros segmentos, como o de femtechs, as empresas com soluções inovadoras voltadas para o público feminino, enfrentam desafios maiores para encontrar investidores no mercado. As startups dessa natureza devem estar entre as maiores beneficiadas com um modelo de captação mais aberto, público e direto com a expansão do teto para investimentos via plataformas de equity crowdfunding. 

Além de se tratar de um modelo que deve trazer mais garantias para os investidores pessoas físicas, com a profissionalização derivada dos documentos pedidos pela CVM e da liquidez fornecida pelas transações subsequentes, o formato de apresentação das plataformas torna o negócio potencialmente mais atraente, considerando os novos públicos que deve alcançar. 

Outra inovação da resolução CVM 88 é a flexibilização das formas de divulgação da oferta pública. Com a nova regra, passa a ser permitida a realização de campanhas de promoção da oferta pública em quaisquer veículos de comunicação e mídias sociais, desde que observado o conteúdo previsto na norma.

Camilla Telles, que também é cofundadora do movimento “Eu Conecto”, criado para fomentar o empreendedorismo femino em setores de inovação, tecnologia e investimentos, lembra que os números de mulheres nesse mercado ainda são pequenos. Uma das missões da executiva na CapTable era atrair mulheres para o mundo das startups.

Se encontrar mulheres em posições de liderança ainda é difícil no mundo da tecnologia, as investidoras “são figuras muito raras”, contou Camilla. E em um mercado dominado por homens, as femtechs acabam tendo que superar barreiras maiores para convencimento sobre seu modelo de negócio.

Mesmo que as startups voltadas para consumidoras estejam batendo recordes de investimentos, as cifras ainda são pequenas quando comparadas à média do mercado. “As femtechs são muito pouco exploradas no Brasil”, afirmou Camilla, que completa: “ainda não temos histórico nem um grande case nesse segmento”.

Ela explica como esses benchmarks, como os que existem hoje em fintechs, insurtechs (de seguros) e healthtechs (startups de saúde), com Nubank, Creditas e Alice, respectivamente, servem como um atestado sobre o grau de maturidade de um determinado mercado e ajudam investidores a mensurar o potencial do negócio. 

“Agrotech é um segmento que está crescendo de forma exponencial no Brasil porque conseguiu comprovar que, com uma tecnologia líder no campo, o agronegócio consegue movimentar cifras ainda maiores”, disse Camilla. Mercados tradicionais, como o dos bancos e das seguradoras, sofreram uma revolução com a proliferação de startups. É o mesmo caso elo que vem passando o setor de saúde agora.

Ainda assim, há segmentos que seguem como focos secundários de investimentos, com capacidade para dar a próxima guinada no ecossistema de empresas no Brasil. Camilla cita o potencial das edtechs, as startups para o setor de educação. 

“A forma com que o nosso sistema educacional está estruturado no País, deu margem ao surgimento de excelentes soluções em plataformas”, disse. Após os dois anos de pandemia, que obrigaram todas as instituições a adotar o ensino à distância (o EAD), esse mercado parece ter se rendido à tecnologia. Segundo dados do MEC (Ministério da Educação), em 2021, quase 93% das universidades federais utilizaram ferramentas tecnológicas para mediar as aulas. Já os Institutos Federais atuaram integralmente de forma remota em todo o Brasil.“Temos alguns desafios regulatórios no segmento educacional ainda, mas um espaço muito relevante para crescimento pela frente”, concluiu Camilla. 

Com o aumento da capacidade de captação via plataformas de crowdfunding, investidores pessoa física devem passar a ter atuação mais direta no ecossistema de startups e também mais oportunidades de olhar para diferentes setores. Talvez uma porta esteja se abrindo para empreendedores e para investidores, que mesmo diante de um horizonte complexo e caro para riscos, pode trazer novas oportunidades no mercado.