Após acusações sobre algoritmo, Gupy atribui falha de seleção a erro humano

No LinkedIn, desenvolvedora de softwares relata como testou a IA da plataforma

A comunidade do LinkedIn se comoveu com o relato da desenvolvedora de softwares Aline Camilo Sena, que resolveu testar o algoritmo do sistema de recrutamento e seleção da Gupy. Com um perfil alternativo, Aline preencheu as etapas objetivas na plataforma assinalando a mesma alternativa e entregou a redação em “Lorem Ipsum”, texto aleatório em latim gerado online.

Mesmo com uma entrega displicente, a “candidatura-teste” de Aline passou na primeira etapa de seleção para uma vaga da Porto (PSSA3). Ao BP Money, a Gupy explicou se tratar, neste caso, de um erro da consultoria responsável pela avaliação do texto, um procedimento padrão da etapa qualitativa. 

Em resposta aos questionamentos da reportagem, a Gupy confirmou que houve falha na análise da redação submetida por Aline. As etapas qualitativas devem passar por avaliação humana, geralmente sob a responsabilidade de um profissional da organização contratante, responsável pelo processo seletivo. Neste episódio, “por algum motivo isso não aconteceu e mesmo assim a pessoa candidata foi passada para a próxima etapa”, afirmou a empresa.

Já a Porto (ex-Porto Seguro) disse que, ao tomar ciência do caso, buscou entender tecnicamente o ocorrido junto à Lisa IT, que é o parceiro direto da companhia nesse processo, e à Gupy. A empresa não se aprofundou sobre o que teria levado ao erro, mas afirma que “internamente, olhamos para o nosso processo para avaliar oportunidades de melhoria, com o objetivo de evoluir sempre.” 

Aline havia se candidatado à vaga da Porto, para a qual não foi selecionada, pela plataforma da Gupy. O recrutamento da vaga da seguradora pela plataforma envolveu, além do cadastro de perfil, testes de lógica, matemática, de personalidade e a redação. A então candidata disse sempre ter se questionado sobre a automatização dos processos seletivos nessas empresas. Ao terminar o preenchimento, ficou “com uma pulga atrás da orelha”, disse no post do LinkedIn.

Por isso, a desenvolvedora de software arquitetou o esquema para testar a IA (Inteligência Artificial) da plataforma Gupy. Na criação do segundo perfil, usou informações profissionais semelhantes às suas, sob a identidade da sua irmã. Submeteu a redação desconexa e, nos testes de lógica e matemática, Aline disse ter assinalado “todas as questões na alternativa C (a terceira que aparecia). E no teste de personalidade assinalei todas as questões no número 4.”

O depoimento de Aline reverberou. Com mais de 14 mil reações e 744 compartilhamentos, nos mais de 1,5 mil comentários no LinkedIn, a maioria dos usuários relata o incômodo com a falta de transparência sobre os resultados da seleção pelas plataformas. Muitos dizem se incomodar com quão longos e exaustivos são os testes. “Uma aplicação que eu faça que entre na Gupy ou qualquer uma dessas similares, eu já paro. Nem dou andamento”, respondeu um dos usuários da rede, cujo comentário recebeu mais de 220 curtidas.

A Gupy tentou reagir o mais rápido possível, respondendo questionamentos sobre o caso nos comentários. Um esforço quase inútil, porque a empresa acabou sendo “bombardeada” com dúvidas e desconfiança.

Em meio a tanta comoção, o sentimento comum de insatisfação com a falta de transparência nesses processos. “Dediquei um tempo considerável aos testes, tentei fazer o meu melhor, apesar de não concordar que responder questões abstratas e superficiais que em nada têm a ver com a atividade profissional proposta realmente possa qualificar a capacidade de alguém, mas ok, segue o jogo”, relatou a desenvolvedora de software no post.

Afinal, como funcionam os processos de recrutamento e seleção pela Gupy?

A plataforma Gupy dá duas opções às empresas para incluir testes nos processos seletivos: montar um questionário próprio ou usar os prontos, criados por uma organização parceira. A aplicação dessa etapa para a seleção dos candidatos, no entanto, é uma decisão da contratante, que é responsável pela vaga.

Nos testes de múltipla escolha, a IA da plataforma avalia o resultado final, ou seja, a pontuação do candidato no sistema, que serve como critério de desempate quando há similaridade da qualificação profissional. Em comentário no post de Aline no LinkedIn, a diretora de marca da Gupy, Carol Marques, admite que “é possível sim que as respostas certas se concentrem mais numa letra”. 

Isso aconteceria porque o banco de questões tem variações das mesmas perguntas, formuladas de formas diferentes e com as alternativas corretas também em outra ordem. “Por isso é possível que, em alguma oportunidade, uma parte das respostas corretas se concentrem em determinadas letras, como na letra C, como foi relatado, mas trata-se de algo com pouca probabilidade de acontecer”, defendeu a empresa. 

A companhia de gestão de recrutamento tem mais de 2 mil clientes em dez países, entre eles, gigantes como Ambev, GPA (Grupo Pão de Açúcar), Sicredi, Vivo, Renner e, como citado neste caso, a Porto. A Gupy alega que seu sistema não elimina ou faz a seleção, e sim ordena os perfis das pessoas candidatas em um ranking de afinidade com a vaga. 

A Gupy entende que “há muitos pontos em que podemos melhorar como plataforma”, por isso diz estar trabalhando em iniciativas para promover mais transparência no processo. O esforço inclui recomendações às contratantes sobre a extensão dos testes, um selo para empresas que fornecem feedback a mais de 90% dos inscritos para a vaga, sinalização de critérios eliminatórios e um indicador da concorrência para a posição.