Reforma tributária: como mercado vê a “prioridade de Haddad”

Mesmo podendo afetar os investimentos, reforma tributária é vista de forma positiva

Mesmo que não seja uma pauta recente, a reforma tributária ganhou destaque nos últimos anos, com a nomeação de Bernard Appy para uma das secretarias do futuro Ministério da Fazenda. Por isso, é vista como prioridade para Fernando Haddad (PT), o ministro da Fazenda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para especialistas consultados pelo BP Money, a reforma é vista de forma positiva pelo mercado, mesmo podendo afetar os investimentos. 

Segundo Victor Inoue, head de produtos da WIT Invest, a reforma tributária é esperada há muito tempo pelo mercado financeiro, que enxerga o sistema atual como “extremamente ineficiente e complexo”. A PEC 45/2019, que visa a unificação dos impostos, deve, portanto, simplificar o sistema, o que para o diretor de Alocação e Distribuição da InvestSmart XP, André Meirelles, deve ser visto com bons olhos pelos investidores.

Tanto para Meirelles como para Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, a maior novidade é a entrada de Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), no processo. O economista, considerado o “pai da reforma tributária”, foi anunciado na terça-feira (13) como parte da equipe econômica de Haddad. “É um nome que agrada o mercado, que pode trazer boas soluções”, disse o analista da Quantzed. 

“O que está em pauta neste momento é a criação de um imposto único e a tributação sobre dividendos, que hoje tem isenção fiscal. Todas essas articulações estão no texto, e pelo o que temos visto, há uma grande possibilidade de que a proposta siga nessa linha até o ano que vem, e que já no início de 2023 comecem as discussões”, apontou Jorge.

Segundo Fábio Sobreira, analista chefe e sócio da Harami Research, uma boa reforma tributária aproximaria o Brasil do restante do mundo, já que taxação de dividendos é feita em muitos outros países. Ainda, para ele, menos impostos, principalmente no consumo, é visto de forma positiva. “Mas é preciso ver como essa proposta vai ser conduzida, já que teve muitas mudanças desde que foi apresentada”, disse Sobreira.

Nest sentido, o agvogado João Cipriano, do Miguel Neto Advogados, reforçou que, quando o assunto é reforma tributária, é necessário ter paciência. “Logo após a eleição do atual governo, em 2018, muito se falou em reforma tributária, inclusive as PECs foram propostas no primeiro ano de mandato, em 2019, e até agora nenhuma mudança foi implementada”, disse.

Como a reforma pode afetar os investimentos

A rigor, segundo Cipriano, todas as propostas de reforma tributária que estão tramitando têm o potencial de afetar os investimentos. No entanto, para Tiago Slavov, professor de Contabilidade da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), alguns pontos da reforma tributária são mais “prioritários” do que outros. Nesse sentido, de pano de fundo, estão as mudanças que afetam a tributação sobre a renda, em que entram os investimentos.

“Mudanças na tributação dos investimentos são esperadas, demandando por parte de investidores decisões sobre alocações de recursos e estratégias tributárias diferentes das atuais. Portanto, para não ‘perder dinheiro’ é necessário acompanhar com bastante proximidade as discussões que virão sobre a reforma tributária”, apontou o professor. 

Tais ‘reformas’ já eram esperadas, tanto com Lula como com o atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Antes da eleição, ambos já haviam sinalizado que a taxação de dividendos e lucros estava no radar. 

“As últimas discussões sobre reforma tributária têm contemplado a tributação sobre dividendos e a diminuição do IRPJ. Para empresas em fase de crescimento,  a mudança seria positiva, visto que grande parte do lucro não é distribuído e sim reinvestido”, apontou Inoue. 

Porém, segundo ele, o impacto pode ser negativo nas empresas que distribuem grande parte do seu lucro. “Setores como energia elétrica, saneamento e telecom seriam mais impactados”, disse.  

Por outro lado, Inoue ressaltou que alguns pontos ainda são dúvida na reforma tributária, como os FIIs, CRIs, CRAs e debêntures incentivadas, que ainda possuem isenção de taxa.

O que é a reforma tributária

Com um sistema tributário complexo, a reforma tem um objetivo principal: simplificar as obrigações tributárias para as empresas, como explicou Slavov. A diminuição de burocracias, segundo ele, fará com que, no final, o produto ofertado ao público seja mais barato. 

Dessa forma, por mais que o valor dos tributos não mudem, a ideia é que a reforma impacte de forma positiva o bolso do brasileiro. “A simplificação reduz custos para as empresas na apuração dos impostos, que repassam a economia para os preços de produtos e serviços”, apontou o professor. 

Ainda, as mudanças em legislações complexas podem aumentar a eficiência da economia, como, por exemplo, na logística de produtos, segundo Slavov. “Atualmente, a empresa pode estar operando em um local mais longe do cliente devido a um benefício fiscal concedido na localidade. Com a eliminação das distorções tributárias, a empresa pode se mudar para um local mais próximo do cliente, reduzindo custos logísticos e sendo mais eficiente nas entregas de produtos”, disse. 

Para tanto, a PEC 45/2019, assinada pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), visa reduzir a quantidade de tributos sobre vendas e serviços, como ICMS, IPI, PIS, COFINS, II, ISS, IE, entre outros, além da quantidade de alíquotas e as exceções e tratamentos específicos em cada tributo. A ideia é criar um único imposto.

Segundo Slavov, as mudanças, ao menos no momento, não alcançam a carga tributária, ou seja, quanto se paga, mas sim os processos de cálculo dos tributos, como se paga. “Se conseguir avançar neste ponto, a simplificação pode representar um aquecimento na nossa economia, com reflexos em todas as atividades e na própria arrecadação do governo”, explicou.

Inoue concordou. Segundo ele, atualmente, a forma como os impostos são cobrados no Brasil, além de complicada, gera diversas distorções, tanto para quem produz como para quem consome. “Como consequência da reforma tributária, teríamos um ambiente de negócio mais favorável ao empreendedor, favorecendo o crescimento econômico do País”, finalizou.