GTI segue otimista com posição em commodities no longo prazo; confira entrevista exclusiva

Sócio da gestora explicou ao BP Money que enxerga melhoras para o mercado brasileiro a partir de 2023 e reforça a mensagem de Buffett: é hora de ir às compras

A GTI Administração de Recursos está entre as gestoras de renda variável mais longevas no País. Com 40% da carteira exposta em commodities e um retorno médio anualizado perto de 23%, em menos de dois meses, a empresa comemora 15 anos no mercado. Anos que, na verdade, valem por muito mais já que o clube de investimentos fundado pelos sócios Rodrigo Glatt e André Gordon faria 19 anos neste ano.

Não foi só a carteira de ações do clube que foi carregada para a GTI e incorporada ao seu principal fundo, o Dimona, mas a estratégia erguida pela dupla virou o core da empresa e à qual a equipe recorre desde então. Existe uma solidez na estratégia da GTI expressa só nos números. Considerando o que Rodrigo e André entregaram desde o começo da sociedade, lá nos idos anos 2003, o rendimento estaria na casa dos 3.700%. São mais de R$ 700 milhões sob gestão hoje, que só se acumulam nos fundos depois de muita análise. Mesmo. 

Uma posição só é consolidada na gestora depois de feitas as análises fundamentalistas, de balanço, múltiplos e finanças. Tem ainda uma camada da análise qualitativa, para a qual a equipe se mobiliza nas visitas às empresas, às plantas industriais, lojas e ao que mais houver para ver. Depois, é preciso haver um consenso na equipe. Um trabalho bem diligente, do qual os sócios se orgulham. Por isso, nem as ordens de compra são terceirizadas na GTI. 

Com “DNA de mesa proprietária”, que é quando o trader opera o capital de empresas, geralmente de grandes bancos e instituições financeiras, os gestores da GTI ainda não conseguiram abrir mão de estarem imersos no mercado. Nesta entrevista ao BP Money, Rodrigo conta que, nesta última etapa do processo, a equipe ainda faz questão de ter o “feeling” da negociação de ativos. 

Fiel seguidora da filosofia do value investing, a GTI é quase um caso de estudo – desses que dariam orgulho até aos maiores expoentes da escola, como Warren Buffett e Howard Marks. Maiores posições? Petrobras, Vale, Suzano, Gerdau e alguns cases de varejo, como GPA. Ativos que a gestora considera ridiculamente subavaliados sob a ótica de longo prazo. Melhor para ela, já que chegou a hora de ir às compras.

O GTI Dimona, principal fundo da gestora, foi fechado no ano passado, com R$ 400 milhões sob gestão, após a equipe entender ter atingido a capacidade máxima para que fosse gerenciado de forma adequada. Há dois veículos para novos investidores hoje: o GTI Haifa, voltado aos investidores institucionais e fundações, e o GTI Nimrod, iniciado às vésperas das ondas de fechamentos do comércio no Brasil, provocadas pela pandemia da covid-19. 

O Nimrod é um fundo mais líquido, para o qual a GTI enxerga a capacidade de ter entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões sob gestão. Se dissessem à época que lançar o Nimrod em março de 2020 era uma loucura, Rodrigo responderia que era uma questão de fundamento. O resultado são os 70% de retorno acumulado no fundo. “Para investidores de longo prazo como nós, esses momentos são grandes oportunidades”, contou o sócio da gestora.

Confira abaixo a conversa do BP Money com Rodrigo Glatt:

BP Money – O Nimrod nasceu num momento de alta volatilidade no mercado. Por que vocês lançaram o fundo já à beira do cenário mais crítico da pandemia?

Rodrigo Glatt – Vínhamos de dois anos muito bons quando lançamos o fundo, em 11 de março de 2020. Já tinha cerca de três semanas que a pandemia da covid-19 começava a abalar os mercados globais. Para investidores de longo prazo como nós, esses momentos são grandes oportunidades. Neste caso, era a chance de comprar ações e empresas que julgamos que estavam baratas num momento excepcional. Estávamos certos: o fundo está com 70% de rentabilidade acumulada. A correção de preço nesse período foi muito acentuada e, olhando o longo prazo, vimos a recuperação da forma que está realmente acontecendo mais recentemente. 

Qual é a exposição da gestora hoje na carteira de ativos?

Temos tido uma alocação bem diferente da média do mercado. Vemos a maioria dos gestores cobrindo os grandes cases do setor doméstico, em saúde…não é o nosso caso. Temos cerca de 40% de exposição em commodities, principalmente em Petrobras, Vale, Suzano e Gerdau, que são as grandes posições da carteira. Mas há alocação dos fundos em consumo. 

Estamos até começando a aumentar um pouco as posições no Grupo Pão de Açúcar e na Guararapes, que tiveram uma depressão de preços significativa recentemente. O mercado vem penalizando muito esses setores do varejo, e isso cria oportunidades nas quais estamos de olho. Temos também alguns cases curiosos, como a Vulcabras (do setor calçadista), que performou bem durante a pandemia porque a empresa ganhou o mercado das concorrentes diante dos problemas logísticos nas cadeias globais, que dificultou a importação de tênis e materiais esportivos. São ativos com uma performance bem distinta hoje na indústria.

Os rumores de que Abílio Diniz estaria retomando conversas com o grupo Casino, controlador do GPA, interferiu na tese da gestora para essa posição?

Na verdade, a questão do GPA é mais ampla: o papel está com uma precificação ridícula. Grosso modo, diria que a companhia está sendo negociada em torno de um terço do que realmente vale. Acho que o mercado não está olhando para as fatias nas operações de Cnova [braço de comércio eletrônico do grupo Casino] e do Éxito [líder de varejo alimentar na Colômbia]. 

A empresa vem fazendo movimentações voltadas ao acionista nos últimos anos: compra do Éxito, cisão com o Assaí e a venda dos imóveis do Extra Hiper. O Cnova opera na França e em alguns países da África, então tem um valor de mercado importante, e a própria rede Pão de Açúcar, com cerca de 300 lojas aqui no Brasil hoje, vai passar por uma remodelagem. O negócio está mais focado. Com o capital da venda das unidades Extra Hiper, o grupo deve zerar a dívida nos próximos anos para começar a pagar dividendo ou recomprar ações. O Casino precisa do dinheiro para se desalavancar no mercado externo.

Aí, claro, com um GPA se tornando uma operação menor para o grupo e com um valuation baixo, entre R$ 6 bilhões e R$ 7  bilhões, pode até fazer sentido para o Abílio recomprar a operação. Não sei como e se de fato isso aconteceria, porque ele é um dos maiores acionistas individuais do Carrefour. Levanta dúvidas no mercado, mas não descarto a possibilidade. O Abílio tem um vínculo com o Pão de Açúcar, que foi fundado pelo pai dele, então pode fazer sentido.

Então é hora de aumentar a posição em GPA?

Já estamos com a nossa posição há cerca de quatro anos justamente porque entendemos que o grupo tem muito valor. Pelos múltiplos no mercado, o GPA vem negociando a nove ou dez vezes o lucro, enquanto o Assaí está precificado a 16 a 17 vezes, Grupo Mateus, que caiu recentemente, está negociando em 12 a 13 vezes, e o Carrefour negocia a 20 vezes. Essa distorção não faz o menor sentido.  

A que vocês atribuem um desconto dessa magnitude sobre o ativo? Não é sinal de risco?

Uma parte do mercado ainda está descontente com o histórico de governança da companhia. A história dos últimos dez anos é realmente complicada, mas a empresa resolveu as questões de governança nos últimos três anos e vem provando isso. A própria migração para o mercado confirma: converteram as ações ON/PN [ordinárias e preferenciais] em apenas ON [que dão direito a voto nas assembleias]. Há vários sinais de que a empresa está próxima dos acionistas e tem interesses mais alinhados hoje do que no passado.

Os fundos estão bem expostos em commodities, como vocês protegem da volatilidade?

Até podemos fazer proteção da carteira, mas preferimos calibrar as posições. Nossa exposição média geralmente é de 97% a 98% na posição comprada. As alocações já levam em conta esse cenário de volatilidade. Nossa posição está sempre adequada aos riscos que corremos nesses ativos. 

Vejo muitos gestores concentrando as posições, com 15% a 20% do portfólio num case, o que considero difícil de gerir hoje dada a volatilidade do mercado e os fluxos fáceis de dinheiro. É um risco que nós preferimos não assumir. 

Só que há um outro lado para esse cenário também: os múltiplos que essas empresas estão negociando. A Petrobras está sendo considerada de três a quatro vezes o lucro, um patamar muito baixo para uma empresa que está dando um retorno de 25% a 30% ao ano. É o mesmo caso da Vale.

O desconto nesses ativos segue a lógica do GPA, que estaria subavaliado por questões de governança?

São casos diferentes. A Petrobras sofre com uma percepção negativa sobre ingerência política, mas, na verdade, a companhia segue a política de preços do mercado internacional. É outra que o mercado não está enxergando alguns pontos: a política de desinvestimentos em ativos com menos retornos e os investimentos nos postos do pré-sal, cuja fatia dentro do total de petróleo produzido só cresce. Esses movimentos estão consolidando um resultado espetacular que permite pagar esses dividendos.

No caso da Vale, com os graves acidentes na história recente, ela também lida com a percepção negativa do mercado sobre a governança de ESG. Mas a empresa está com uma política para tentar reconquistar o investidor e mostrar a mudança profunda que promoveu na gestão. Tem negociado com desconto em relação às principais concorrentes lá fora por conta desse cenário, sem dúvida. Nossa posição nela é calibrada considerando esses fatores.

São posições relevantes no fundo. Como elas estão performando?

Nosso retorno médio anualizado está na casa de 23% contra uma rentabilidade média do Ibovespa em 10%. Estamos girando com o alpha entre 11% e 12% ao ano. Se considerarmos desde o começo do clube de ações que criamos em 2003 – e integramos à GTI quando fundamos a gestora, em 2007 -, o retorno acumulado do Dimona está na casa dos 3.700%. 

Em 2020, mesmo com a pandemia da covid-19, chegamos a subir 1,5%. No ano passado, enquanto a bolsa caiu 12%, subimos 13%. Quer dizer, o alpha foi de 25 pontos. Algo que poucos fundos na indústria tiveram. Neste ano, começamos cerca de quatro pontos atrás da bolsa e agora já estamos mais de 2,5 pontos na frente. A alocação de commodities foi positiva neste sentido. 

Mesmo assim, ainda vemos como essas empresas seguem muito baratas. A Petrobras pagando 25% a 30% de dividendo era quase impensável anos atrás. A Vale pagando entre 10% e 15%. Ambas se mostrando como empresas com as contas saudáveis, reduzindo dívida e alavancagem, recomprando ações. São posições que têm feito a diferença, além de outros cases pontuais na carteira. 

A nossa vantagem é essa exposição a commodities e a calibração dos ativos. A maior posição na carteira hoje é Petrobras, com 12%. Nossa estratégia de diversificação é de 15 a 20 ações no portfólio dos fundos, assim não temos exposição individual tão grande. A lógica é a mesma para todos, mas o Nimrod tem uma restrição particular. Nele, não temos posição em empresas com valor de mercado abaixo de R$ 3 bilhões. 

Buffett disse que era chegada a hora e de fato foi às compras. Que ativos entraram no radar da GTI agora?

Vimos alguns fenômenos no varejo que chamam a atenção. A C&A, por exemplo, que fez IPO a R$ 16,50, está com ações na casa dos R$ 3 (na sexta-feira [27], os papéis fecharam em R$ 3,35). É uma distorção de preço muito grande. Dificilmente compraremos o ativo, porque já temos uma posição no Grupo Guararapes, mas chama a atenção.

A C&A valendo R$ 1 bilhão pode ser até alvo de aquisições. A Marisa na casa dos R$ 2 também acende um alerta. São ativos que têm certa resiliência e que, após esse sell-off [movimento massivo de venda de ativos no mercado], fizeram no mínimo a nossa equipe dar uma olhada. 

As próprias empresas de tecnologia, das quais todos estão querendo se livrar, fazem mais sentido agora. As ações da Locaweb, por exemplo, saíram de R$ 20 para R$ 5. Honestamente, ainda achei caro, mas mesmo assim avaliei. Um momento de baixa não quer dizer que vamos comprar, só que a queda de precificação nesse nível nos convida no mínimo a uma aproximação. Este é o nosso trabalho de todo o dia. Estamos sempre comparando para saber se estamos com as melhores relações risco-retorno. Um questionamento constante.

A abordagem da gestora mistura análises bottom-up (cenário micro, dentro de empresas) e top-down (cenário macro, economia e setores). Houve algum indício no ano passado de que a crise seria mais duradoura do que se falava até então?

Tínhamos a visão de que, como os governos imprimiram muita moeda nos esforços de sustentar as economias durante a pandemia, haveria desvalorização e, assim, uma corrida por ativos reais. As commodities viraram um porto seguro, vamos dizer assim, porque, diante desse cenário, baseamos nossa alocação nesses papéis. 

Os indícios nos deram uma convicção razoável do cenário de inflação e juros altos, mas não na velocidade que aconteceu. Não estimávamos também a magnitude do processo inflacionário, de impacto global. O aumento acentuado e rápido de juros no Brasil, em que a Selic foi de 2% para 13% no ano, também não estava nas nossas projeções.

Quais são as projeções da GTI, considerando que hoje temos dois novos elementos no cenário macro: a guerra na Ucrânia e a volta do lockdown em algumas metrópoles na China?

Os principais impactos da guerra na Ucrânia já estão dados. Para o mercado, o maior efeito foi sacudir os EUA, porque provocou uma escalada da inflação para um patamar que não se via lá fora há 40 anos. Mas, do ponto de vista exclusivamente econômico e global, não vejo efeitos do conflito mais para frente. 

Já a questão da China tem impacto, acredito, de curto prazo, porque o cenário está sendo mais facilmente controlado que antes e o número de mortos também não tem sido tão relevante quanto foi antes. Por ora, estamos associando o fechamento dos mercados chineses à queda no preço do minério da Vale, mas nem isso vemos como um efeito duradouro.

E qual é a visão da gestora para a crise no mercado brasileiro?

Olhando para as crises que já atravessamos no passado, eu diria que estamos em um momento mais tranquilo. Por alguns motivos: o risco das eleições gerais é menor do que o mercado atribui hoje. Mesmo com a possibilidade de a esquerda [o PT] voltar ao poder, entendemos que não há espaço para repetirem o que fizeram nas gestões anteriores. Por outro lado, internamente, estamos mais confortáveis com as posições que carregamos na carteira, porque sabemos que os cenários para as nossas empresas estão realmente muito descontados e os valuations estão subavaliados numa ótica de longo prazo. 

O mercado está muito pessimista e tem errado sistematicamente as projeções de inflação, superávit primário, crescimento, PIB, que estão sendo todas revistas agora. 

Para nós, o horizonte para a economia brasileira deve ser mais benigno. O patamar de juros não deve se sustentar tanto quanto o mercado acredita, porque a inflação deve ceder em algum momento. É uma previsão bem difícil de se fazer, claro, mas acho que os juros no Brasil podem estar na casa de 8% ou 9% dentro de dois anos. Só isso já promoveria uma apreciação no valor das ações. Ou seja, estamos mais positivos com a retomada do crescimento mais adiante, de 2023 em diante.

É esta a visão que sustenta a estratégia da carteira no longo prazo?

Mesmo considerando as commodities em patamares de preços mais baixos adiante, as empresas em que estamos alocados vão continuar gerando caixa e distribuindo muito dividendo. Principalmente Vale e Petrobras. Suzano também seguirá bem por conta do processo de desalavancagem, mesmo considerando os investimentos em aumento de capacidade nos próximos dois anos. A Gerdau está com um horizonte bom de retomada de obras de infraestrutura no Brasil. Mesmo que a construção civil ainda atravesse uma fase difícil, há uma demanda relevante para a companhia. 

Já vemos a luz no fim do túnel para o ciclo de juros e consideramos a inflação hoje no topo, por isso entendemos que é um dos melhores momentos para comprar. Temos marginalmente trocados algumas posições e avaliado ativos ligados ao consumo doméstico, que estão com preços convidativos. Devemos começar a migrar para algum deles. Ainda não chegou a hora, mas os setores devem voltar a performar melhor em algum momento. A verdade é que não estamos fazendo nada de diferente do que sempre fizemos e não estamos passando por nada novo ou que já não tenhamos visto antes.

GTI Administração de Recursos
Sede: São Paulo
Liderança: Rodrigo Glatt, sócio fundador e analista chefe, e André Gordon, sócio fundador e gestor dos fundos
Foco: fundos de ações
Capital sob gestão: R$ 700 milhões (em maio de 2022)
Entrevistado: Rodrigo Glatt, sócio fundador e analista chefe. Tem quase 25 anos de experiência no mercado, sendo 15 deles à frente da GTI. Fundou a gestora em 2007 junto com o sócio, André Gordon, com quem já mantinha um clube de investimentos desde 2003. A carteira foi incorporada ao principal fundo, o GTI Dimona.
Estrutura: 10 pessoas, sendo sete na gestão e análise e três nas operações comercial e operacional