Economista avalia futuro de juros, inflação e câmbio no Brasil

Osmani Pontes, economista graduado pela UFRJ, MBA em finanças e macroeconomia pela FGV e grande analista de câmbio e política monetária

A batalha contra a inflação e os desafios da retomada econômica são os principais entraves do mundo pós-pandemia. Recentemente, temos observado a escalada dos juros básicos no Brasil como um exemplo do Forward Guidance do Banco Central no combate a grave contaminação dos índices de preços ao consumidor e nas cadeias produtivas. O problema americano também chama atenção: inversão na curva de juros, inflação típica do “overheat” da economia e uma série de estímulos, cujo os efeitos ainda não podem ser medidos. 

Foto: Arquivo Pessoal

Com as recentes atas do COPOM, projeções pessimistas sobre câmbio e crescimento e a retirada gradual dos estímulos monetários nos Estados Unidos, o cenário internacional parece incerto, assim como o brasileiro. Com o objetivo de explicar e entender essas questões, conversei com Osmani Pontes, economista graduado pela UFRJ, MBA em finanças e macroeconomia pela FGV e grande analista de câmbio e política monetária:

Osmani, qual deve ser o impacto da redução dos estímulos nos Estados Unidos no Brasil? A situação pode piorar a posição cambial do Real? 
Talvez menor do que a imaginada inicialmente quando grande parte dos analistas esperava uma comunicação confusa por parte do FED como ocorreu no taper tantrum de 2013. Dessa vez, o FOMC mostrou cuidado em primeiro reduzir as compras e depois aumentar os juros e reduzir o balanço. O primeiro processo implica reduções mais lentas dos rendimentos dos títulos americanos, logo não haverá ainda alta dos rendimentos que imponha grande pressão contra os emergentes. Será um processo suave. Pressões discretas sobre o real. Muito graduais.

Como a decisão do FED conversa com as recentes decisões do BCB? 
O BCB já tinha precificado o movimento do FED quando no penúltimo relatório de inflação fez uma simulação de quais efeitos da reversão da política monetária americana sobre a inflação brasileira. Portanto, a tendência que foi revisada para cima (de altas de 100 bps) já imputava o fator FED. Como houve ajuste nesse “pace”, me parece que o BCB acabou se antecipando ao próprio FED. Lá, quando o QE se encerrar em julho, nós aqui já estaremos com a Selic de final de ciclo de aperto.

Com inflação Global, atividade depreciada, desemprego, etc… O Banco Central tem feito o suficiente dentro da política de juros?
Tem feito o suficiente quando você olha para a inflação. Isso inclui a pressão de oferta global e os repasses dados pela taxa de câmbio, porque as expectativas estão correndo na frente para ajustar o atraso do próprio Focus. Mas é preciso atentar para as defasagens. Porque o efeito subjacente do ajuste monetário é o aperto da atividade e do crédito que também deprime os lucros esperados no balanço das empresas listadas. Então é preciso cuidado, como os demais Bancos Centrais do mundo têm mostrado. Se os avançados tem mais margem para essa cautela, os emergentes, justamente por não terem, precisam ter mais cuidado com a atividade. O setor externo pode não ajudar, caso as exportações não reajam para segurar o crescimento. Essa variável impacta todas as demais. Diria que o BCB está perdendo a mão nesse ajuste.

E o fiscal, qual a perspectiva para a condução fiscal em 2022 e como isso deve afetar a atividade de 2022?
Muito ruim. Veja, o governo furou o teto de caso pensado, sem que houvesse o motivo da pandemia. Isso difere de revisões na regra que a tornem mais crível e flexível. Não houve debate, houve açodamento para favorecer o governo em ano eleitoral. Isso atrapalhou porque os prêmios foram retirados da curva longa porque o ajuste monetário devolveu a atratividade dos títulos longos. Saindo dessa parte e foi para curva curta, se antecipando à SELIC. Como o gasto não vai ser para projetos de longo prazo e sim para irrigação eleitoral, os efeitos sobre o crescimento devem ser superados pelo ônus dos prêmios e da incerteza sobre o investimento no país. Lembrando que dependemos muito de fluxos mais voláteis nesse caso, já que investimentos diretos externos são mais sensíveis a questões de crise política e institucional. E não estamos “bem na fita” nesses pontos.

Por fim, quais são as perspectivas globais e nacionais a respeito dos juros? A política dos Bancos Centrais ao redor do mundo deve melhorar ou piorar o cenário internacional para a estabilidade monetária brasileira?
Num primeiro momento, tende a piorar, por causa da deterioração das condições financeiras e restrição de liquidez global. Nós sempre vamos sentir mais. Mas já voltamos ao topo dos juros reais globais, então esse efeito pode até ser menos pior do que o esperado caso a trajetória da SELIC fosse conforme a esperada. Globalmente, o FED deve ditar o ritmo do ajuste. Só o Bank of England e o Banco do Canadá foram mais hawk. Os demais estão mais dove e o ECB ainda nem se posicionou sobre a redução do QE. O euro pode ser o patinho feio das moedas do FMI e o carry deve puxar a depreciação de lá primeiro. O BCB deve ser o responsável pelo ajuste mais intenso e rápido do G20.