Por que a dívida global ameaça mais o Brasil?

Dívida global teve a maior queda em 70 anos, mas segue acima dos níveis pré-pandemia, segundo FMI

Nesta semana, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou que a dívida global segue acima dos níveis pré-pandemia, mesmo com uma considerável melhora em 2021. Para economistas consultados pelo BP Money, existem pontos de atenção em relação à dívida global, que podem indicar piora no quadro macro. A falta de crescimento dos países é um dos fatores que podem influenciar negativamente as economias. O Brasil, neste contexto, pode sofrer mais, segundo os economistas, por ser um país emergente. 

De acordo com Diego Hernandez, da Ativo Investimentos, a economia global cresce em escalas cada vez menores, e acaba aumentando o grau de endividamento dos países. Esse   

“Você vê economias mais desenvolvidas conseguindo reduzir gradativamente o grau de endividamento, começando a ter um pouco mais de produção, ou cortando custos, mas as emergentes não só estão não reduzindo como estão aumentando o endividamento. A distribuição ‘emergentes versus países desenvolvidos’ gera maior preocupação no tocante ao endividamento global”, disse Hernandez.

Para o economista Marcelo Ferreira, o fato da dívida global estar acima dos níveis pré-epidêmicos é preocupante, mas por outro lado há uma ponta de esperança decorrente do fato de que houve uma expressiva redução no último ano, o que, de alguma forma, indica a recuperação da economia global. 

“É um momento que exige austeridade fiscal, controle de gastos. Houve uma retração da atividade econômica na pandemia, muitos precisaram se endividar para poder superar esse momento e isso provocou também uma alta inflacionária global e está todo mundo tentando tomar suas medidas de ajuste para poder corrigir a situação. O FED aumentou a taxa de juros em 0,5% nesta semana e isso é uma amostra da preocupação que existe com endividamento, inflação e esses tipos de fatores”, disse Ferreira. 

“Para a economia brasileira, os riscos são maiores, porque é uma economia emergente, com um risco maior”, complementou o professor e economista. 

Em 2018, a dívida global foi de US$ 187,536 trilhões, que equivalia a 226,5% do PIB dos países, segundo dados do FMI. No ano seguinte (pré-pandemia), a dívida global foi de 228% do PIB. Em 2020, tínhamos uma dívida global de 257% do PIB Global e em 2021 houve uma queda (a maior dos últimos 70 anos) para 247%.

Hernandez, da Ativo Investimentos, explica os efeitos do endividamento global e destaca que, uma vez que você tem uma necessidade de um financiamento maior nas economias, é gerada uma demanda grande por recursos, o que acaba aumentando o custo do dinheiro. 

“Isso requer uma taxa de juros maior, para conseguir, frente ao risco que você tem em relação a outras economias, uma taxa mais atrativa para trazer recursos e conseguir se financiar. Isso encarece o crédito e você gera custos maiores para a sua economia, seja necessidade de financiamento do setor público, seja do setor privado. Basicamente, é isso que gera na economia doméstica”, afirmou Hernandez. 

O FMI informou em seu comunicado, na última segunda-feira (12), que as grandes variações da dívida global nos últimos anos aconteceram por conta da recuperação econômica pós-pandemia e pelo aumento da inflação em decorrência do mesmo motivo.

Para o professor da FAAP, Sillas Cezar, essa dívida global tem sido decorrente de uma política monetária contracionista. Ademais, o especialista destaca que não quer dizer muito sobre o Brasil, especificamente, mas mostra que o mundo está mais endividado e a dívida compromete a renda dos países. 

“A gente conclui que o mundo tem menos dinheiro para investir, consumir. A dívida compromete a renda futura. Durante um período, a renda é menor. Para além da pandemia, existem outros elementos que promovem esse endividamento mundial para um nível acima do que se observava antes de 2020, como a guerra na Ucrânia”, disse Cezar.

O professor e especialista em economia da FAAP reiterou que as condições econômicas de produtividade são muito diferentes entre os países. Por isso, para a realidade brasileira, o endividamento doméstico é relativamente alto, o que preocupa, como explica Cezar, fazendo um paralelo com a discussão que tomou conta dos noticiários atuais sobre o furo no teto de gastos previsto para 2023. 

“Estamos discutindo teto de gastos. Na prática, estamos discutindo capacidade de se endividar, o que não é um sinal vermelho ainda, mas é um sinal amarelo. Estamos falando de comprometimento de renda futura. 

O professor da FAAP também afirmou que a queda da dívida privada no Brasil pode não ser tão positiva quanto parece, deixando de indicar que há espaço para as empresas fazerem novos investimentos e comprar mais insumos.

“Na prática, quando olhamos o cenário internacional, o nível de endividamento privado caiu, inclusive no Brasil. O que a gente deduz disso é que os empresários não estão confiantes no que tem pela frente. Eles contiveram seus investimentos. Não investiram, estão retendo dinheiro, é por aí que devemos apostar. O Brasil tem um endividamento relativamente alto”, afirmou Cezar. 

Endividamento global é mais um obstáculo para a economia brasileira

Ao BP Money, os especialistas consultados afirmaram que o Brasil já tem seus problemas estruturais e econômicos que dificultam a manutenção saudável da política econômica. Para além disso, a dívida global agrava ainda mais essas questões, dado que mostra que o fluxo circular da renda não acontece de forma igualitária, o que pode gerar desemprego e necessidade de captação de recursos através do financiamento do setor público.

“Aparentemente, não teremos uma política fiscal voltada para uma austeridade fiscal mais direta e quando falamos nisso é bom frisar que não se deseja a redução ou encerramento do auxílio, mas é preciso estabelecer prioridades e redefinir as estruturas de gastos para que esse auxílio possa cumprir o papel de movimentar a economia e ajudá-la crescer e, consequentemente, reduzir o peso desse endividamento no quadro geral”, disse Marcelo Ferreira, economista e professor, apontando para as sinalizações do novo governo, que deve ter uma política mais expansionista de gastos.